Autora: Larissa Brussa Reis
Revisor: Isaac Schrarstzhaupt
Em meados de 1500, a chegada dos portugueses em terras brasileiras acabou trazendo vários tipos de agentes infecciosos e doenças diferentes aos povos nativos que viviam por aqui e se iniciou a busca por soluções para lidar com os problemas de saúde dos brasileiros. Como havia uma enorme diferença de recursos financeiros e de status social entre os recém-chegados e os habitantes locais, você já pode imaginar como as coisas se desenrolaram por aqui e como isso marcou profundamente toda a história do Brasil.
O acesso aos tratamentos variava de acordo com a classe social e somente os nobres e pessoas com posses tinham acesso aos escassos médicos e remédios da época, tendo assim maiores chances de sobreviver. Os pobres, indígenas e os escravos negros [LBR2] vindos da África eram os mais afetados, pois para esses grupos só restavam as poucas ações da caridade(organizadas por grupos religiosos), os curandeiros e as ervas medicinais difundidas pela sabedoria popular.
A verdade é que a saúde do povo pobre nunca foi uma prioridade e, em um cenário de epidemias de cólera, febre amarela, varíola, malária, tuberculose e peste acontecendo ao mesmo tempo, o resultado foi desastroso. Nosso país era visto como um país doente, onde viver era arriscado, pois as doenças se proliferavam entre as pessoas sem qualquer controle.
Ao mesmo tempo, os nobres e os seletos grupos que articulavam o desenvolvimento e o progresso dessa terra tão promissora, necessitavam das mãos fortes e motivadas dos trabalhadores para que isso se tornasse uma realidade. Com o final da escravidão, a situação ficou ainda mais complicada, pois o país passou a depender dos imigrantes para o trabalho nas lavouras de café e nas fábricas, e muitos navios trazendo imigrantes de outros países não queriam aportar nas “costas pestilentas” de um território até então desconhecido para a maioria.
Era certo que algo precisava mudar e o início do século XX foi marcado pelas primeiras reformas urbanas e sanitárias nas principais cidades em desenvolvimento. A primeira grande conquista de saúde pública que tivemos por aqui foi orquestrada pelo sanitarista Oswaldo Cruz, que convenceu o Estado a tornar obrigatória a vacinação em massa contra a varíola.
Mas essas mudanças propostas para promover a saúde de toda a população eram contrárias aos interesses políticos e econômicos da época, e os recursos que deveriam ser destinados à saúde, acabavam desviados para a crescente industrialização do país.
Toda essa situação era bastante controversa, pois ao mesmo tempo que o país ansiava por crescer e se desenvolver, não oferecia condições adequadas para que os trabalhadores, personagens essenciais nessa equação, pudessem permanecer saudáveis e produtivos. Afinal, se as pessoas encarregadas do trabalho pesado para alavancar a industrialização não tivessem suas necessidades de saúde atendidas, como poderiam realizar esses feitos?
Era como um cabo de guerra: de um lado os interesses dos poderosos e do outro o cuidado com a saúde dos menos favorecidos. Uma história bastante familiar nos dias de hoje, não é mesmo?
O tempo passou e a situação foi ficando cada vez mais insustentável. O cuidado com a saúde pública no Brasil sempre foi conturbado e os dilemas como: investir em saúde versus investir em industrialização ou o benefício individual versus o coletivo sempre estiveram presentes, se intensificando e acentuando a desigualdade social.
Na década de 1960, época em que os militares tomaram o poder e a ditadura foi instaurada no país, os investimentos foram focados na segurança e no desenvolvimento, fazendo com que os recursos destinados para a saúde pública ficassem ainda mais escassos, representando apenas 1% do orçamento geral da União.
Como consequência, casos de pessoas doentes com dengue, malária, meningite, além da mortalidade infantil aumentaram muito. Eram tempos sombrios para os brasileiros: a desigualdade crescia exponencialmente, a miséria aumentava a mortalidade e acontecia um opressor sucateamento da frágil saúde pública.
A censura da época tentava esconder o problema para “debaixo do tapete”, não permitindo que os veículos de informação da época divulgassem notícias informando a real situação calamitosa que o país se encontrava, com as crescentes epidemias e mortes. Esse período crítico foi um “prato cheio” para dar força ao surgimento e crescimento das empresas médicas privadas e dos planos de saúde, tornando o acesso à saúde uma mercadoria.
Todo esse cenário caótico do país permitiu também a intensificação da pressão popular. Movimentos populares começaram a escancarar os problemas e se organizar para encontrar formas de combatê-los. Nasceu o movimento popular de saúde, composto por pessoas que lutavam por postos de saúde nas periferias, ampliação da assistência hospitalar e da atenção básica em saúde.
Em 1986, a 8ª Conferência Nacional de Saúde contou com a participação popular pela primeira vez, ampliou conceitos de saúde pública no Brasil e propôs mudanças baseadas no Direito Universal à Saúde. O relatório produzido durante essa conferência foi tão importante que serviu de base para o capítulo da saúde da Constituição Brasileira de 1988 e para a criação de um sistema de saúde integral, gratuito, de qualidade e que pudesse gerar igualdade para os brasileiros. Nascia o SUS – Sistema Único de Saúde.
O artigo 196 da nossa Constituição diz que “A saúde é um direito de todos e um dever do Estado” e foi só a partir daí que algumas ações imprescindíveis começaram se tornar realidade, como por exemplo as campanhas de vacinação em massa e a erradicação da paralisia infantil, doença que afetava centenas de milhares de crianças brasileiras, causando sequelas que perduravam durante toda a vida dos afetados.
Após a criação do SUS, o Brasil mudou de patamar em relação à saúde pública, e passou não só a enfrentar melhor as epidemias e a disseminação de doenças, como também a promover a saúde da população. Atualmente, o SUS atende mais de 1 milhão de pessoas por dia e, mesmo ainda longe de ter um arranjo e financiamento adequados, é uma referência internacional em diversos níveis sociais, por se tratar de uma proposta pública, popular e democrática.
Através de ações articuladas e mecanismos de apoio entre municípios, estados e a União, do estabelecimento de metas e de seu acompanhamento através de indicadores, da gestão integrada e participativa dos colaboradores, da criação de centros de saúde integrados com profissionais da assistência social e da educação, o SUS é considerada a mais importante e avançada política social em vigência no país.
Porém, são muitos os desafios que esse sistema enfrenta. Além dos investimentos serem muito menores que a demanda atendida, para as empresas privadas e planos de saúde, que usam a doença como fonte de lucro, não existe nenhuma vantagem em manter um sistema gratuito e universal. Investir adequadamente nesse modelo implica em abrir mão de investimentos em outros setores, muitas vezes considerados “mais importantes” para algumas parcelas da população.
Os recursos não são infinitos, e a falta de gestão adequada em conjunto com os grandes escândalos de corrupção que assolam toda a história do nosso país tornam o “cobertor ainda mais curto”, tornando impossível atender a todas as demandas da sociedade de maneira justa e igualitária.
Modelos matemáticos são usados para ajudar a balizar as decisões de saúde pública e são uma ferramenta de valor inestimável para testar suposições sobre as doenças como se fossem verdade, e, a partir daí, calcular relações de custo-benefício das políticas de controle a serem implementadas. Através da modelagem matemática, é possível criar uma abordagem viável para avaliar o impacto das estratégias de intervenção em saúde pública e sugerir o melhor curso de ação na luta contínua contra doenças infecciosas persistentes e emergentes.
O senso comum pensa no médico como a figura que decide sobre as questões de saúde pública, mas quem realmente define o direcionamento dos investimentos são os gestores e governantes. Tendo em vista os prejuízos que as doenças podem causar, urge termos uma comunicação eficaz entre os modeladores, os planejadores e os formuladores de políticas para tornar a modelagem mais acessível e aplicável às necessidades de planejamento e de decisão de saúde pública.
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