Autor: Fernando Kokubun @fernandokokubun
Revisores: Amanda Gonzalez (facebook: amanda.gonzalez.5264), Isaac Schrarstzhaupt (Twitter: @schrarstzhaupt)
Resumo
Neste texto apresentamos alguns dos resultados do preprint [4] que analisou um banco de dados de pacientes com COVID-19 pelo método de unsupervised clustering method, obtendo seis aglomerados com sintomas característicos, cada aglomerado tendo sintomas que, de acordo com os autores, podem ser utilizados para indicar como o paciente irá evoluir ao longo do tempo, em particular se será necessário a utilização de algum método auxiliar para respiração. Os autores argumentam também que a lista usual de sintomas, que incluem apenas febre e tosse, não é suficiente, podendo causar atrasos no início do tratamento, gerando danos ao paciente.
A COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2) tem nos trazido muitos desafios, como compreender suas causas e seus sintomas. Naturalmente dois dos maiores desafios são a busca de uma vacina e a procura por uma maneira de reduzir ou eliminar os sintomas. Apesar de a letalidade da COVID-19 – em torno de 1% – não ser muito alta, é fundamental que todos os cuidados sejam tomados para evitar a contaminação, visto que não sabemos quais as consequências a longo prazo para as pessoas que foram ou vierem a ser infectadas pelo coronavírus. Para isto é importante que, além de uma testagem em grande escala, possamos determinar com maior precisão os sintomas clínicos da doença. No início da pandemia, a COVID-19 era vista como uma espécie de pneumonia, que atacava severamente nosso sistema respiratório e com uma dose de letalidade que atingia principalmente os mais idosos [1].
Com o avanço da pandemia, novas informações foram sendo obtidas, pesquisas foram sendo realizadas, novos dados de pacientes com COVID-19 foram sendo coletadas e com isso começamos a obter uma melhor compreensão da doença. O que era inicialmente considerado uma forte pneumonia, demonstrou ser apenas uma das possíveis manifestações da doença. Problemas no sistema circulatório, perda do paladar e da capacidade olfativa, diarreia, problemas neurológicos e danos a outros órgãos internos foram sendo reportados ao longo da pandemia, indicando que a COVID-19 não era apenas um caso de problemas no sistema respiratório [1]. Grupos de risco atualmente englobam não apenas pessoas com mais idade, mas também aquelas com condições pré-existentes como diabetes, câncer, doenças cardíacas e obesidade, que passaram a ser consideradas como importantes. As medidas preventivas começaram a ser implementadas em diversos países que encararam a pandemia com seriedade, evitando o crescimento descontrolado da doença. Medidas simples como a utilização de máscaras, higienização frequente das mãos, testes em grande escala, rastreamento de casos, distanciamento físico e, nos casos extremos, o isolamento de uma região/cidade/vila são medidas que foram fundamentais para muitos países alcançarem um controle na expansão da COVID-19. Contudo, após a chamada primeira onda, a Europa tem registrado um aumento crescente nos casos de COVID-19, possivelmente indicando a entrada na segunda onda de infecção, de forma que ainda precisamos manter os procedimentos de redução dos riscos de contaminação. Está sendo visto que uma parte dos casos considerados recuperados demonstra a permanência de alguns sintomas preocupantes, indicando que mesmo estando livre do SARS-CoV-2 a pessoa não se recupera completamente, e ainda não sabemos se estes sintomas (classificados como long covid) , serão permanentes ou não [3]. Desta forma, mesmo com a redução dos óbitos, um período longo da pandemia pode resultar em um número elevado de pessoas com dificuldades para levar uma vida normal.
Nossa compreensão de quem vai desenvolver sintomas graves – que podem levar para uma hospitalização ou óbito – ainda é muito incipiente. Em relação ao início da pandemia, as equipes de saúde já possuem mais experiência para controlar a doença, com alguns procedimentos terapêuticos que ajudam a reduzir o período de internação e os óbitos. Porém, o SARS-CoV-2 segue presente, causando um número alto de contaminações. Lembramos também que o número de óbitos oficiais devido a COVID-19 atualmente é maior do que aqueles provocados por outras causas de óbito (ver [5]).
Ainda não sabemos quais sintomas são indicativos da necessidade de tratamento intensivo. Conhecer de antemão que um determinado paciente está evoluindo para um caso de tratamento intensivo pode ajudar no gerenciamento de recursos em um hospital, aumentando a probabilidade de recuperação do paciente.
Em um recente preprint [4], um grupo de pesquisadores analisou dados de um aplicativo de smartphone que conta com um sistema de informações sobre os sintomas de pacientes alimentado por mais de 4 milhões de usuários. Utilizando este banco de dados eles analisaram cerca de 1800 pacientes, considerando seus diferentes sintomas apresentados ao longo de 5 dias.
Os autores verificaram se os sintomas registrados poderiam fornecer informações sobre quais deles teriam a possibilidade de ser utilizados para determinar se o paciente irá necessitar de maiores cuidados (como ajuda para respirar) ou se se encaminhará para uma situação menos draśtica. A análise foi realizada com um método de agrupamento não supervisionado (unsupervised clustering method) e retornou um conjunto de 6 aglomerados (clusters), separados pela evolução temporal de 14 sintomas: falta de apetite; dor muscular incomum; tosse persistente; febre; diarreia; confusão mental; perda de paladar; rouquidão; dor de cabeça; fadiga excessiva; dificuldade de respirar; dor na garganta; dor no peito e dor abdominal. Na figura 1, retirada do preprint, os autores apresentam a evolução temporal de cada um dos sintomas (a ordem dos sintomas é aquela que listamos anteriormente, de forma que na parte superior começamos com falta de apetite e terminamos com dor abdominal). Quanto mais escura a cor, maior a prevalência do sintoma. Os dados correspondem a um período de cinco dias, como explicitado anteriormente.
Figura 1 – Aglomerados obtidos com a análise de dados [4]
As necessidades de algum auxílio respiratório foram de 1,5 %, 4,4%, 3,7%, 8,6%, 9,9% e 19,8% para os pacientes de cada aglomerado (1 a 6, respectivamente). Os aglomerados de 1 a3 são os considerados casos leves. O aglomerado 3, apesar de ter um percentual baixo (3,7%) de necessidade de algum auxílio respiratório foi, de acordo com a pesquisa, aquele que procurou algum serviço hospitalar em maior percentual (em relação aos aglomerados 1-2). Alguns sintomas aparecem nos seis aglomerados, por exemplo a dor de cabeça (headache) e a perda do paladar, e persistem ao longo dos 5 dias monitorados.
Por outro lado, a fadiga é um sintoma que não é significativamente presente nos primeiros aglomerados, mas que nos aglomerados 4, 5 e 6 começa a ser significativa após dois ou três dias.
Observando os padrões em cada aglomerado, os autores propõem que uma análise temporal dos diversos sintomas permite prever em quais situações o paciente precisará futuramente de algum auxílio respiratório.
Os resultados do preprint podem ser resumidos em (adaptado de [6]):
TABELA 1 – Características e sintomas de cada aglomerado
Características | Sintomas | Observações | |
1 | Sintomas semelhantes a uma gripe, sem febre | Dor de cabeça, perda do paladar, tosse, dor de garganta, coceira e dores. Sem febre. | Necessidade de hospitalização: 16,0%Necessidade de auxílio respiratório: 1,5% |
2 | Sintomas semelhantes a uma gripe, mas com febre | Semelhante ao grupo 1, mas incluindo perda de apetite e febre. | Necessidade de hospitalização: 17,5%Necessidade de auxílio respiratório: 4,4% |
3 | Sintomas gastrointestinais | Diarreia, perda do paladar e apetite, dor de cabeça, dor de garganta e dor no peito. A tosse não é predominante. | Necessidade de hospitalização: 23,6%Necessidade de auxílio respiratório: 3,7% |
4 | Fadiga | Fadiga, dor de cabeça, perda do paladar, tosse, dor no peito e febre. |
Necessidade de hospitalização: 24,6%Necessidade de auxílio respiratório: 8,6% |
5 | Confusão | Os sintomas do aglomerado 4, somados a uma forte sensação de confusão. | Necessidade de hospitalização: 27,2%Necessidade de auxílio respiratório: 9,9% |
6 | Abdominal e respiratório | Dor de cabeça, febre, perda de paladar e de apetite, tosse, dor de garganta, dor no peito, dificuldade de respirar, diarreia, dor abdominal, dor muscular, confusão e fadiga | Necessidade de hospitalização: 45,5%Necessidade de auxílio respiratório: 19,8 % |
Na tabela 1, o fundo cinza mais claro indica os aglomerados considerados amenos, com pouca necessidade de utilização de auxílio respiratório. Os de fundo cinza mais escuro, de acordo com os autores, são os pacientes que necessitaram de um percentual maior de auxílio respiratório.
Os autores do artigo argumentam que os sintomas usuais listados no Reino Unido como indicadores da COVID-19 (tosse, febre e dificuldade de respirar) não são adequados para previsão da evolução dos casos, sendo que esperar a manifestação desses sintomas pode atrasar significativamente o tratamento. Citam os sintomas de fadiga e dores de cabeça como sintomas importantes e que muitas vezes não são considerados como indicadores da COVID-19.
É importante ressaltar que o artigo ainda está na fase de preprint, não tendo sido até a presente data submetido a uma revisão pelos pares. No entanto, a possibilidade de que seja possível utilizar dados longitudinais para prever quais pacientes poderão necessitar de um auxílio respiratório é bastante interessante, pois permitiria às autoridades de saúde fazer uma previsão mais adequada dos recursos necessários para o combate da pandemia. Além disso, o trabalho mostra a necessidade de considerar outros sintomas para que possamos determinar se a pessoas pode estar ou não com a COVID-19.
Referências
[1]Characteristics of SARS-CoV-2 and COVID-19. Hu, B., Guo, H., Zhou, P. et al. Characteristics of SARS-CoV-2 and COVID-19. Nat Rev Microbiol (2020). https://www.nature.com/articles/s41579-020-00459-7
[2] Europe’s second covid-19 wave is here but is it bigger than the first? M. La Page, New Scientist, 29 de setembro de 2020.
https://www.newscientist.com/article/2255612-europes-second-covid-19-wave-is-here-but-is-it-bigger-than-the-first/#ixzz6bH6AIeXb
[3] Long covid could be four different syndromes, review suggests. E. Mahase, BMJ 2020;371:m3981
https://www.bmj.com/content/371/bmj.m3981
[4] Symptom clusters in Covid19: A potential clinical prediction tool from the
COVID Symptom study app. C.H. Sudre et all, preprint https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.06.12.20129056v1
[5] Este sítio nos fornece dados sobre óbitos devido a diferentes causas https://www.worldlifeexpectancy.com/selected-deaths-vs-covid-19-brazil?fbclid=IwAR0BPrZ0rSDvlq8yYXUt7tn3THD7hy_2zD97mfRBdxqjP6QgzpIuvTrSIyU
[6] Have we been thinking about covid-19 symptoms all wrong? J. Hamzelou, New Scientist , 7 de outubro de 2020. https://www.newscientist.com/article/mg24833033-200-have-we-been-thinking-about-covid-19-symptoms-all-wrong/#ixzz6bGDDEgeE