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Não fazer testes é melhor do que fazer testes ruins.

18.05.2020

Por: Mell

Autor: Fernando Kokubun | Revisão: Marcelo Bragatte

O título acima (No test is better than a bad test), faz referência ao chamado teste de anticorpos para a COVID-19, que iremos tratar neste texto. E esperamos que ao final da leitura, fique esclarecido o sentido o título acima. ( A frase é da autoria de Michael Busch, diretor do Instituto Vitalant nos EUA, citado em [1].) 

Anticorpos e a vacina 

O teste de anticorpos, tem como objetivo detectar a presença de anticorpos que o sistema imune da pessoa produziu para combater alguma doença, como a COVID-19 (ver referências [1],[2] e [4]). Estes testes sorológicos (o termo é devido a realização de testes usando o soro do sangue do paciente), permitem detectar se uma pessoa foi exposta ou não ao vírus SARS-CoV-2. No Brasil a Fiocruz tem produzido estes kits de testes [3]. Uma vantagem destes testes, é a possibilidade de identificar pessoas que já foram expostas ao vírus, e que por terem produzidos anticorpos ao vírus, estariam imunes a uma nova infecção. No caso específico de trabalhadores nas diversas áreas da saúde, seria uma garantia de segurança que não seriam mais infectados e também não poderiam mais transmitir o vírus para as outras pessoas, de tal modo que poderiam desenvolver suas atividades de forma mais tranquila. Para outros trabalhadores, saber se já foram infectados e apresentam anticorpos, seria um indício de que poderiam voltar ao trabalho, sem correr riscos de serem contaminados ou contaminar outras pessoas (claro, assumindo que não exista possibilidade de reinfecção). E um teste eficiente para detectar os anticorpos, permitiria fazer um levantamento mais preciso, de quantas pessoas foram de fato infectadas com o vírus causador do COVID-19. Atualmente pessoas sem sintomas ou sintomas leves, não são geralmente testadas para a detecção do vírus, o que dificulta a definição de uma política pública para controlar a atual pandemia e também para definir protocolos para eventuais pandemias no futuro. Um ponto importante que deve ser ressaltado, é que o teste com anticorpos NÃO detecta o vírus, mas apenas a reação do sistema imune à presença do vírus. Assim ele não é eficiente para ser usado na verificação do vírus nas pessoas, por que o vírus pode estar presente, mas o sistema imune ainda não foi ativado. Para verificar o vírus são necessários testes moleculares. Voltando aos testes sorológicos, alguns indicam que após cerca de três a sete dias do início do contágio, quando o sistema imune começa a atuar, o teste sorológico se tornaria mais eficiente. Mas o padrão de resposta ainda possui muitas variáveis e precisa de um maior volume de análises para serem mais acurados seus intervalos de detecção. 

Resumindo os testes moleculares detectam o vírus no indivíduo, são úteis para os casos sintomáticos, e são mais informativos para medidas de controle e resposta nos primeiros dias. Os testes sorológicos detectam a resposta do organismo a exposição ao vírus, são adequados para controle de casos. Os mesmos dependem do aumento de anticorpos, requerem um intervalo de tempo maior do organismo dos indivíduos infectados para ter resultados mais confiáveis, pois um número maior de anticorpos deixa o resultado com menores chances de um falso negativo, por esta razão tem melhores resultados após alguns dias da infecção. 

Além da importância para testes, existe uma proposta de utilizar o soro sanguíneo de pessoas que já foram infectadas para serem utilizadas como uma vacina [2]. Isto porque o soro sanguíneo conteria os anticorpos ou imunoglobulinas específicos para o SARS-CoV-2, e ao ser injetado poderia servir como proteção para outras pessoas. Vale salientar que diferente da vacina que estimula o sistema imune da pessoa a produzir os próprios anticorpos, um plasma convalescente (outro termo que poderemos nos deparar e significa que o soro sanguíneo foi separado do restante do sangue, sendo um extrato mais puro de anticorpos ou imunoglobulinas) protege mas tem eficiência reduzida pois depende da quantidade inserida e faltam estudos para afirmar se o método pode estimular o sistema imune a produzir novos anticorpos, pois sabe-se que não estimula as vias de exposição por patógenos. De toda forma, a detecção através dos testes de anticorpos pode vir a ter uma função fundamental para a produção de vacinas contra a COVID-19, permitindo a identificação de potenciais doadores entre a população. Lembrando que o intervalo de doação de sangue é de no mínimo dois meses para homens e três meses para mulheres, já o intervalo mínimo para doação de plasma ou aférese pode ser de 15 em 15 dias, estando a pessoa saudável e atendendo aos requisitos para doação. 

Os problemas 

Apesar das possibilidades promissoras tanto para exames como para produção de vacinas, a utilização de anticorpos tem apresentado alguns sérios problemas. 

Na parte de diagnóstico, podemos agrupar o teste em dois tipos, uma demorada, que requer equipamentos específicos e um corpo técnico qualificado para operar estes equipamentos e com cerca de um dia para obter os resultados; e o segundo teste mais rápido, com respostas em quase que imediata, e sem necessidade de utilização de equipamentos caros, e portanto sem a necessidade de um corpo técnico especializado. 

O teste rápido, no entanto tem apresentado sérios problemas de confiabilidade. Em alguns países, pela necessidade de produção de uma grande quantidade de testes, foram autorizadas a fabricação e comercialização de testes, sem a necessidade da aprovação dos órgãos competentes. O resultado foi uma quantidade muito alta de kits, com resultados contraditórios e portanto sem nenhuma validade para efeito de verificação da presença ou não de anticorpos. Por exemplo, a Inglaterra adquiriu cerca de 3,5 milhões de kits, que depois foram constatados que os resultados dos testes não eram satisfatórios [1]. Para um contexto brasileiro, é interessante ler o texto disponível na Sociedade Brasileira de Análises Clínicas [5] . 

O primeiro teste com um grupo de amostras relativamente grande, foi realizado em uma pequena cidade americana [2], indicando uma taxa bem baixa de pessoas com anticorpos na população testada. Dos 986 testes, oito indicaram a presença de anticorpos, e outros 23 os resultados indicavam que foram expostos ao vírus e que poderiam estar no início da produção de anticorpos [2]. Mas o teste realizado (trabalho ainda não publicado), tem levantado sérias 

dúvidas sobre a validade dos resultados. Talvez a principal crítica, seja sobre a metodologia utilizada para a escolha da população testada (voluntários escolhidos por uma enquete no Facebook), e o tamanho ainda reduzido deste grupo (ver por exemplo [4]), o que torna a amostra muito heterogênea. Esta seria a justificativa (testes elaborados de maneira equivocada) para a frase que abre este pequeno texto. 

Além da qualidade dos testes, não sabemos quais anticorpos devem ser testados de forma segura e confiável. Tanto para o teste, como para a produção de uma vacina eficaz, sem esta informação, podem ser produzidos testes ou vacinas que funcionem apenas em situações muito específicas. Análises no soro de pacientes recuperados da COVID-19, mostram também que nem todos apresentam presença de anticorpos, e não quais os níveis de anticorpos devem ser produzidos para conferir imunidade [6]. O problema pode estar ocorrendo devido ao pouco conhecimento que ainda temos sobre o vírus causador da doença, e quais tipos de anticorpos são produzidos pelo sistema imune para combater a doença. Alguns testes indicam que o número de testes positivos são muito menores do que o esperado, indicando algum problema com os testes de anticorpos [7]. 

Um outro problema que necessita estudos mais detalhados, é a possibilidade de uma pessoa que seja curada recebendo o soro com anticorpos, acabe não desenvolvendo seus próprios anticorpos, de forma tal que apesar de curado, poderá estar sujeito a uma reinfecção pelo vírus [6]. 

No momento, o uso de anticorpos no caso do COVID-19, necessita de muitos testes para ser validado, como um protocolo seguro e aceitável para a maioria da população. Mas é um caminho aparentemente promissor a ser seguido. 

Referências 

[1] Will antibody tests for the coronavirus really change everything?S. Mallapaty; Nature News, 18 de abril de 2020. https://www.nature.com/articles/d41586-020-01115-z 

[2] The Promise and Peril of Antibody Testing for COVID-19, J. Abbasi, JAMA News Section, 17 de abril de 2020. https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2764954 

[3] Fiocruz divulga nota de esclarecimento sobre testes moleculares para diagnóstico do novo coronavírus. Fundação Fiocruz, 23 de março de 2020. https://agencia.fiocruz.br/fiocruz-divulga-nota-de-esclarecimento-sobre-testes-moleculares-para -diagnostico-do-novo-coronavirus 

[4] What the first coronavirus antibody testing surveys can tell us. M.Le Page, New Scientist, 24 de abril de 2020. https://www.newscientist.com/article/2241313-what-the-first-coronavirus-antibody-testing-survey s-can-tell-us/#ixzz6KZbBoXPt 

[5]Teste rápido da Covid-19: falsos negativos, SBAC, 2 de abril de 2020. http://www.sbac.org.br/blog/2020/04/02/teste-rapido-da-covid-19-falsos-negativos/ 

[6] The Potential—and Limits—of Antibody Testing. M.Einsenstein, Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health , 23 de abril de 2020.https://www.jhsph.edu/covid-19/articles/the-potential-and-limits-of-antibody-testing.html 

[7] WHO warns that few have developed antibodies to Covid-19. S. Boseley, The Guardian, 20 de abril de 2020. https://www.theguardian.com/society/2020/apr/20/studies-suggest-very-few-have-had-covid-19-without-symptoms 

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