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Desvendando Fake News: QUEM CHECA OS CONTRA-CHECADORES?

02.09.2020

Por: Mell

Autor: Mateus Falco (@mateuslfalco)

Revisores: Leopoldina Lavor (@lavordina), Thiago Gomes (@gomes_tb_)

Fonte da Imagem: freepik

A verificação de notícias falsas virou rotina em meio a pandemia do coronavírus e a todo momento informações distorcidas são publicadas prejudicando o entendimento da situação atual. A descrença e as atitudes contrárias de muitos ao enfrentamento correto da crise social, com informações de baixa qualidade e ajustes políticos, influenciaram a Rede Análise Covid a buscar as dados de instituições sólidas validando ou não o fato analisado. Desse modo, recebemos o vídeo de divulgação produzido por Guilherme Fiuza e por motivos da busca pela informação aprofundada seguimos com a checagem! 

1) Pesquisa do Instituto superior da Itália indicou que “Em pelo menos 70% dos óbitos atribuídos à covid-19 houve outras causas para a morte, que pode ter sido acelerada ou não pelo coronavírus”. Quantos médicos estariam dispostos hoje a garantir que nenhuma morte por pneumonia foi para a estatística de covid-19 sem que o coronavírus tenha provocado essa morte?

Os dados são tratados de forma diferentes em cada país, tendo em vista a especificidade da realidade local. Estamos falando de números italianos em meio a um aumento absurdo de casos na época da disseminação do vírus na Itália, portanto, a realidade daquele momento não pode ser afirmada para o mesmo que vivemos no Brasil, aliás, não é possível nem comparar com dados Americanos porque as realidades são diferentes.

A Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo (SES/SP) emitiu, em 20 de março (antes de decretado o estado de calamidade pública no Estado de SP), uma orientação aos médicos para definição da Declaração de Óbito por COVID-19 com intuito de evitar a transmissão desnecessária e para contabilizar de forma fidedigna o número de casos. Segue parte do comunicado.

Considerando que:

  • A declaração de óbito (DO) deverá ser preenchida pelo médico que assistiu (acompanhou) ao paciente, seguindo as diretrizes do Conselho de Ética Médica e do Conselho Federal de Medicina;
  • A Organização Mundial de Saúde (OMS) desaconselha a realização de autópsia para casos suspeitos e confirmados de COVID-19;
  • Quaisquer corpos devem ser considerados de risco para contaminação e difusão do vírus;
  • Para a confirmação de COVID-19 tem sido utilizado do exame de PCR.


A SES/SP orienta:

  1. Casos confirmados de COVID-19 deverão ter a Declaração de Óbito (DO);
  2. Casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) sem diagnóstico etiológico e casos suspeitos de COVID-19 com investigação em andamento devem colher swab nasal/orofaríngeo post-mortem (até 24h após óbito);
  3. Demais casos – Deve ter a Declaração de Óbito (DO) preenchida pelo médico que assistiu ao paciente ou que constatou o óbito, preencher como:
    1. As informações fornecidas pelos familiares que possibilitarem a identificação da causa de óbito;
    2. Em caso de negativa com relação ao item a, será aplicada a autópsia verbal, está será relatada na DO.

Portanto, a questão não é a garantia da causa do óbito por autópsia porque se trata de uma pandemia e o risco de contaminação é alto. O exame de PCR é auxiliar no diagnóstico e definição da causa, ele não é utilizado como base para fundamentar a causa da morte, mas como exame complementar para confirmação da COVID-19. Os protocolos do Ministério da Saúde exigem que o teste deve obrigatoriamente ser realizado em todos os pacientes que vierem a óbito com suspeita de COVID-19.

2) Dados afirmados pelo vídeo: Quando o Brasil atingiu 100 mil mortos por covid-19, o registro civil mostrava uma queda de 34.355 mortes por pneumonia em relação ao mesmo período de 2019. Poderiam explicar essa redução em mais de um terço (ou 35,9%) das mortes por pneumonia de um ano para o outro – exatamente no período da pandemia? Ou essa pergunta também será vetada e classificada como fake news?

A diminuição no número de morte por pneumonia pode estar relacionado ao isolamento social, tendo em vista que essa ação é capaz de diminuir a disseminação da pneumonia comunitária. Além de um maior cuidado da população com a higiene. 

Todo dado bruto é passível de interpretação de acordo com o viés ideológico, contudo, é de extrema relevância entender a situação global da crise de saúde e não apenas selecionar dados que confirmam um viés político-ideológico. Usar números do ano anterior para induzir que no próximo ano a quantidade de mortes por uma doença deve ser igual é no mínimo um atentado, blasfêmia ou o que quer que seja que o “checador” admite. 

Muitos fatores podem desencadear a redução, até mesmo a subnotificação é um dos problemas relatados na coleta de dados para a COVID-19.

Ainda, sobre a diferença na comparação de dados de pneumonia do ano passado e deste ano, o site Aos Fatos publicou (11/08/20) uma relação de números que facilita o entendimento da divergência dos valores, acessados do Portal Transparência do Registro Civil. Entre os dias 16 de março e 11 de agosto, foram registrados óbitos por pneumonia, são eles: 99.177 em 2019 e 66.064 em 2020. Insuficiência respiratória aparece com 42.141 (2019) e 38.497 (2020). Por outro lado, mortes por causas inespecíficas passaram de 2.805 (2019) para 3.676 (2020) e óbitos por SRAG saltaram de 691 (2019) para 10.941 (2020).

Uma pesquisa feita hoje (29/08/20) no Portal Transparência do Registro Civil, utilizou como parâmetros os períodos de 16 de março até 29 de agosto para os anos de 2019/2020. É possível verificar que o número total de óbitos por doença respiratória aumentou, eram 551.324 (2019) e 620.673 (2020), ou seja, um acréscimo de 69.349 que não estavam relatados no ano de 2019, nem em pneumonia ou outra doença respiratória, esses dados consideram apenas uma causa para cada óbito, mas a declaração pode apresentar mais de uma causa de morte, sendo pneumonia e COVID-19, por exemplo. 

Na figura abaixo é possível verificar a diferença nos casos de pneumonia (verde) nas duas barras, e também os novos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em cinza-escuro e COVID-19 em cinza-claro. Portanto, não é correto apenas verificar a diferença na diminuição dos casos de pneumonia e septicemia entre os dois anos se não considerarmos o aumento em outras causas de morte, como SRAG e COVID-19, e também o total de mortes por doenças respiratórias que aumentou de um ano para o outro é verificável entre os tamanhos das barras.

Figura – Causas de óbitos por doenças respiratórias nos anos de 2019/2020 (Portal Transparência de Registro Civil)

3) É normal uma redução de quase um quarto (22,6%) dos óbitos por infarto de um ano para o outro?

A diferença no número de óbitos por infarto mencionado também é de fácil constatação através do mesmo Portal de Transparência de Registro Civil. Além dessa informação também é possível verificar outras como óbitos por AVC e por Causas Cardiovasculares Inespecíficas.

Figura – Causas de óbitos por doenças respiratórias e cardiovasculares nos anos de 2019/2020 (Portal Transparência de Registro Civil).

Nessa figura as estatísticas apresentadas se baseiam nas Declarações de Óbito (DO) registradas nos Cartórios do País relacionado à COVID-19, sendo apresentada apenas uma causa para cada óbito.

Tabela –  Comparação entre os óbitos por AVC, Infarto e Causas Cardiovasculares Inespecíficas entre os anos de 2019/2020. Dados obtidos através do Portal Transparência de Registro Civil.

Analisando os dados relativos a óbitos por AVC, infarto, causas cardiovasculares  e inespecíficas na tabela acima é possível verificar entre os anos de 2019 a 2020 uma diminuição no número de óbitos por AVC e Infarto, sendo para o primeiro 3.144 e o segundo 7.644. Para Causas Cardiovasculares Inespecíficas houve um aumento de 9.284. 

Uma simples soma dos resultados registra uma diferença de 1.504 mortes que poderiam ser utilizadas como possíveis causas de óbito por COVID-19. É possível estabelecer a relação de aumento para algumas doenças e também a diminuição em outras, mas o que chama atenção é o aumento considerável por causas cardiovasculares inespecíficas: mais de 9 mil casos no ano de 2020. 

Sendo assim, não é possível concluir que a redução mencionada no vídeo tenha ocorrido para inchar os números de COVID-19, ou seja, mesmo uma diminuição em AVC e Infartos, foi diluído pelo aumento de Causas Cardiovasculares Inespecíficos. Então, não sobrariam dados para acomodar como óbito de COVID-19. Além da figura acima mostrar as diferenças entre as duas barras anuais sendo que a de 2020 é maior que a de 2019 em 12,58%.

4) A redução de mortes por pneumonia e infarto também ocorreu, de forma acentuada e incomum, com óbitos por AVC, insuficiência respiratória e septicemia. Totalizando 70.684 mortes a menos de 2019 para 2020, exatamente no período em que se registrou 100 mil mortes por covid-19.

É no mínimo perverso creditar aos médicos a culpa para as mais de 100 mil mortes por COVID-19 no Brasil. Sendo mais adequado às seguintes perguntas: quantos profissionais de saúde morreram no Brasil e no Mundo? Quantos perderam a vida lutando a cada momento para salvar vidas que importam para algum familiar ou parente? A maioria dos profissionais de saúde tiveram que deixar de visitar familiares por medo de levar a doença para casa! 

É com muita humildade que pergunto, e espero que não tenha causado nenhuma agressão/acinte/blasfêmia aos contra-checadores de plantão, apenas quero compartilhar minha extrema consideração por esses seres humanos que doam seu tempo para tentar reverter um quadro de mortes incalculáveis e que de maneira desdenhosa foi minimizado publicamente e ainda continua sendo desacreditado. A perversidade num comentário desses é o que mais choca diante da realidade que vivemos.

Para esclarecer sobre os números de óbitos de profissionais de saúde acesse aqui (página 43) no Boletim Epidemiológico Especial COVID 28 emitido pela Secretaria de Vigilância em Saúde pertencente ao Ministério da Saúde. Pelos dados oficiais estão registrados ao menos 289 óbitos de profissionais de saúde por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) até a 34ª semana epidemiológica (16 a 22/08), desses 241 por COVID-19. 

É possível verificar que 35 casos não tem causa específica e 12 estão em investigação, ou seja, não foram imputados como óbitos por COVID-19. A tabela apresenta pelo menos 21 classes de profissionais de saúde que estão envolvidos no combate direto da pandemia, sem contar os profissionais que não estão na linha de frente como em laboratórios, dentre outros, portanto, devemos valorizar o trabalho e dedicação desses profissionais.

O debate é válido e produz conhecimento, mas o descaso é cruel e causa repugnância, sendo responsável por limitar a evolução do conhecimento. Precisamos refletir sobre isso. Não podemos esconder a realidade atrás de números ou mesmo utilizar os dados de modo sórdido para validar um argumento falacioso. Se os dados que são mencionados trazem conforto, resolução ou entendimento da doença são muito bem vindos para discussão e aprimoramento, mas se utilizados de forma errônea causando mais pânico e desinformação, isso está eticamente errado.  

A Rede Análise Covid tem como um de seus principais objetivos informar a população e a comunidade  científica e se coloca contra esse artifício prejudicial no combate da pandemia.

5) Se vocês têm tanta certeza de que há atestados óbito assinalando covid-19 para pessoas que tinham covid-19 mas não morreram de covid-19, vocês poderiam explicar o “desaparecimento” de mais de 70 mil mortes nas estatísticas citadas? Devemos então celebrar mais de 70 mil vidas salvas pela epidemia de covid?

O Ministério da Saúde (MS) lançou, em 11/05/20, uma nota informativa com Orientações para o Preenchimento da Declaração de Óbito no Contexto da COVID-19 com a finalidade de padronizar a codificação das causas de morte informadas e o correto processamento dos dados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). Dessa forma, as declarações de óbitos estão seguindo uma diretriz definida pelo próprio MS com a função de ajustar os dados para que não ocorram erros nas declarações ou codificação das mortes, auxiliando assim na construção de dados epidemiológicos fidedignos. 

A declaração de óbito não é uma decisão subjetiva e passível de adulteração com finalidade outra que não seja a correta descrição da causa do óbito. A falta de autópsias devido ao risco de contaminação não é um impeditivo e fator para desacreditar no processo de definição da declaração de óbito, sendo que outros recursos são utilizados como quadro de sinais e sintomas (quadro sindrômico) da doença, anamnese (perguntas feitas pelo médico) e autópsia verbal (investigar mortes por causas indefinidas), além das informações garantidas por familiares.

Os números das 70 mil mortes consideradas “desaparecidas” na comparação dos dados entre os anos de 2019/2020 é uma análise preditiva de dados passados e uma provável espera que aconteça no futuro, não podemos afirmar que exatamente no ano de 2020 ocorressem as 70 mil mortes e se acontecesse, seria pelas mesmas causas. É uma presunção/hipótese que não pode ser encarada como fator determinante, além disso, invalidar os dados epidemiológicos atuais pela discordância não faz sentido. Os números de infecções por coronavírus em 2019 eram menores que este ano (2020), portanto, se pensarmos na análise preditiva o correto seria um número aproximado do ano passado (2019), entretanto, a realidade nos mostrou uma pandemia que não estava embutida nos dados dos anos anteriores, alterando completamente a epidemiologia atual. 

A sensatez na análise de dados é primordial, assim como no debate e enfrentamento de ideias. Celebrar os números de mortes, questionar apenas se desapareceram ou não, é um tanto mórbido. O melhor a se fazer nesse momento é compreender todo o esforço sobre-humano aplicado no combate da pandemia e vibrar por cada conquista alcançada.

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