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Atraso, notificação e represamento: o efeito no acompanhamento da pandemia

04.01.2021

Por: Mell

Autor: Isaac Schrarstzhaupt (@schrarstzhaupt)

Revisores: Mateus Falco (@mateuslfalco); Marcelo Bragatte (@marcelobragatte)

Imagem: https://iclinic-mkt.s3.amazonaws.com/ghost-images/images/2019/03/amenizar-sobrecarga-de-trabalho-dos-medicos.jpg / Todos os direitos reservados

Gráficos e mais gráficos. Desde o mês de março de 2020, quando o Brasil começou a ser afetado pela COVID-19, nos vimos em meio a muitos gráficos de todos os tipos, aprendemos o que significa média móvel, vimos como funciona uma tendência de crescimento, entre outras coisas. Isso é ótimo, não é? Afinal, entender e interpretar gráficos nos ajuda na nossa tomada de decisão diária, e é uma habilidade muito válida.

Ao entendermos a informação recebida, podemos tomar uma decisão mais correta sobre o que fazer a seguir, e para aprendermos é necessário que a informação esteja correta. 

Mas o que é “estar correta”?

Muitas vezes pensamos que se o dado é oficial (oriundo de uma fonte oficial) a informação está correta e não precisa ser analisada. Podemos pensar que basta ter sido digitado sem erros para ser considerado correto, ou mesmo que a análise por outras pessoas é suficiente.

Todos esses processos são de fato importantes, e tem de acontecer, mas não são suficientes para garantirmos a interpretação correta da informação. Para isso, temos que entender que os dados chegam até nós através de um processo, e este processo pode conter características que, se não forem levadas em conta, nos fazem interpretar/entender de maneira errada a informação, mesmo que os dados utilizados estejam “corretos”.

Uma destas características é a “notificação” do dado. Quando algo acontece e precisa ser documentado, esta ocorrência precisa ser inserida de alguma maneira em um sistema que irá armazenar os dados para depois nos mostrar em forma de gráficos ou mesmo em uma tabela e assim contar a história de um modo geral. Podemos pensar nos dados como tijolos de uma construção, sozinhos não significam muita coisa, mas em conjunto formam uma parede. Assim como os dados em conjunto formam um gráfico ou tabela.

Um exemplo prático: na epidemia de COVID-19 a notificação de um caso de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) é o nosso dado. Quando chega alguém no hospital com sintomas compatíveis com SRAG, uma notificação deve ser feita no sistema chamado SIVEP-GRIPE (Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe), para que então este sistema junte todas as notificações e possa nos dizer se temos aumento, queda, estabilidade e assim por diante. Ou seja, o SIVEP-GRIPE é a nossa parede, com os dados armazenados nesse sistema é possível desenhar gráficos e tabelas.

Esta notificação é feita através da digitação de uma ficha, ou seja, alguém precisa pegar a ficha, sentar na frente do computador, abrir o SIVEP-GRIPE e começar a digitar os vários campos, como “Data de Nascimento”, “Município de residência”, “Município de notificação”, “Data dos primeiros sintomas”, “Perdeu olfato?”, e muitos outros. Isso para cada paciente, em cada hospital, de todo o Brasil, todos os dias.

Se, por acaso, o hospital estiver cheio de pacientes, e todo mundo estiver correndo para conseguir dar conta dos atendimentos, é possível que a ficha não seja digitada exatamente no mesmo momento, e fique acumulada em cima da mesa para digitação no outro dia. Neste momento, entramos no segundo conceito que é importante entendermos, o de “atraso”.

Agora que já entendemos “notificação”, podemos ver o impacto do “atraso” na notificação. Se, apenas por hipótese, acontece o fato mencionado acima, de termos dias muito cheios (perfeitamente plausível de ocorrer em uma epidemia como a de COVID-19), esse atraso pode se estender por alguns dias, e levar a quedas nos números de notificações. 

O que irá acontecer no boletim daquele dia? Teremos menos casos notificados do que realmente aconteceram. Se quem analisar os dados olhar a data de notificação, poderá interpretar, de forma incorreta, que tivemos menos casos de SRAG naquele determinado dia, sendo levado a acreditar que existe uma queda onde na verdade não existe.

Aí este atraso, se ocorrer por muitos dias, pode levar ao terceiro conceito, o de “represamento”, que é simplesmente a digitação, tudo de uma vez, do acúmulo de notificações de dias anteriores. 

Em resumo: o atraso faz aparecer uma queda que na verdade não é uma queda, e o represamento faz aparecer um aumento repentino que também não corresponde à realidade. 

Neste momento é que trago a importância de acompanhar as análises de dados que estamos fazendo semanalmente desde que a epidemia começou. Estas análises sabem lidar com esses poréns e demonstrar de maneira mais explícita o que realmente pode estar acontecendo. Agora, em janeiro de 2021, estamos passando por um período conturbado em todas as frentes, pois temos recessos de final de ano e trocas de governos municipais que tem como consequência as trocas de secretários municipais de saúde, criando uma pequena disrupção nessa divulgação de dados. Além disso, temos uma situação ainda não enfrentada nesta epidemia, que é o aumento da mobilidade nos encontros de final de ano, que podem também causar um aumento de sintomáticos e internações nos hospitais, carregando ainda mais o sistema de notificações.

Isso nos dá uma chance muito alta de termos a ocorrência de ambos os fenômenos de atraso e represamento. Agora que você aprendeu sobre isso, caso você conheça alguém que fique em dúvida com quedas ou aumentos “estranhos”, envie este texto para essa pessoa, assim teremos cada vez mais pessoas entendendo o que está acontecendo, e menos suspeitas infundadas de manipulação, que acabam atrapalhando e gerando ainda mais ruídos sobre uma informação importante e que estamos trabalhando para apresentar de forma precisa.

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