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Assimetria entre homens e mulheres para o caso do COVID-19

18.04.2020

Por: Mell

Texto: Fernando Kokubun

Revisão: Marcelo Bragatte @MarceloBragatte, Lilith Schneider Bizarro @Sorciere.rouge, Izabela Carvalho @carvalhoizabela.

A pandemia de coronavírus (COVID-19) tem algumas características bem marcantes, uma delas é o fato de afetar mais idosos do que pessoas mais jovens,  com poucos registros entre as crianças [1], principalmente em relação aos óbitos. Apesar dos casos fatais serem mais frequentes em pessoas com mais de 60 anos, é importante lembrar que a COVID-19 atinge todas as idades, com o número maior de infectados com faixa etária inferior a 60 anos.

            Mas existe uma diferença significativa que não é reportada com muita frequência: quando separamos por sexo (aqui o termo faz referência ao sexo biológico), existem mais casos de óbitos para homens do que para mulheres. Em um artigo publicado online em janeiro de 2020, N. Chen e colaboradores [2] analisaram os dados coletados no período de 1º a 20 de janeiro de 2020, em 99 pacientes do Hospital Jinyintan em  Wuhan, China.  Entre os resultados relatados, está  um número maior de óbitos entre pacientes homens (67%), do que entre mulheres (33%). No entanto, os autores chamam a atenção ao pequeno número de casos analisados, sugerindo que seriam necessários mais estudos, com uma amostra maior de pacientes para comprovar ou não os resultados obtidos.

            Estudos posteriores realizados em outros países também indicaram esta tendência nos registros de óbitos (ver por exemplo as reportagens em [3] ou [4]). É importante ressaltar que dados sobre sexo biológico nos casos de contágio ou óbito devido ao COVID-19 não são informados por muitos países em suas estatísticas oficiais. Um estudo realizado por um grupo ligado à Universidade College London analisou os dados de 20 países, identificando que somente seis tinham informações sobre gênero para os casos confirmados e de óbitos (citado  em [4]). O estudo, ainda não publicado, indica que de fato ocorre um maior número de mortes entre homens do que entre mulheres, em uma proporção que varia entre 10% a 90%. Outra pesquisa [5], realizada em UTIs da Inglaterra, Irlanda do Norte e País de Gales, indica 53,6% e 46,3% de óbitos para homens e mulheres, respectivamente. Considerando os casos que deram entrada nas UTI’s, mais de 73% foram homens enquanto apenas 27% foram mulheres.

            Ainda não existem explicações para esta aparente assimetria entre homens e mulheres para o caso do COVID-19, mas diversas hipóteses têm sido sugeridas. Uma delas seria de que os homens fumam mais do que as mulheres, e por conta dos danos causados pelo fumo no sistema respiratório a ação do vírus causador do COVID-19, acabaria sendo mais letal. No entanto um estudo de H.Cai [6] mostra que a diferença entre ser fumante e não fumante não influencia de maneira significativa para o caso dos óbitos devido ao COVID-19. Cabe ressaltar que o autor indica a necessidade de dados mais robustos, incluindo dados de outros países, para ser possível afirmar com uma boa margem de segurança se o hábito de fumar afeta ou não de maneira significativa os óbitos devido a esta doença. Porém, um estudo posterior [7] ainda não publicado indica não existir uma relação entre ser fumante ou não fumante, concordando com os resultados de H.Cai [6].

            O artigo anteriormente citado de N. Chen e colaboradores [2] (ver também [3]) apresenta uma possibilidade da diferença estar relacionada com o cromossomo X. Este cromossomo possui alguns dos genes que estão relacionados com o sistema imune humano. As mulheres possuem dois cromossomos X, enquanto os homens possuem apenas um, dessa  forma as mulheres teriam um sistema imune mais resistente do que os homens. Mas esta hipótese de que o sexo biológico feminino teria maior resistência aos efeitos prejudiciais do vírus SARS-CoV-2 ainda está em fase estudos e não foi comprovada.

            Existe também a possibilidade de que o comportamento do homem, em  relação a seus hábitos de higiene e outros associados a questões de comportamentos sociais,  teria um papel relevante na diferença do percentual de óbitos entre homens e mulheres. Isso não seria somente uma questão genética, mas a maneira como os homens são construídos para agir na sociedade teria um fator importante, reforçando a já conhecida afirmação sobre evolução que o meio molda o indivíduo.

            Além disso, não podemos excluir a possibilidade de que, com mais dados, essa diferença deixe de ser significativa. Por exemplo, em um estudo realizado em Nova Iorque [7], os autores, afirmam que a diferença entre homens e mulheres para o COVID-19 deixa de ser significativa ao excluírem algumas comorbidades (outras doenças que ocorrem simultaneamente).

            Um dado interessante, é que os casos confirmados em muitos países, indicam uma maior presença de mulheres infectadas ao invés de homens infectados. Uma possível explicação para isso poderia ser a maior exposição ao vírus que essa categoria da população sofre devido  ao tipo de trabalho que exerce em nossa sociedade. Mulheres são a maioria em serviços de atendimento a pessoas, sejam em clínicas, hospitais ou como cuidadoras domésticas [8], o que poderia explicar o maior número de infectadas, mas não a aparente diferença no número de óbitos.

            Apesar de não existir ainda uma explicação conclusiva sobre as diferenças entre as taxas de infecção e mortalidade pelo COVID-19 entre homens e mulheres, possivelmente a resposta seja uma combinação de todos estes fatores. Até que possamos obter mais dados sobre o COVID-19, teremos mais perguntas do que respostas, o que é normal em todo trabalho científico. E mais do que interesse específico pelo COVID-19, se faz necessário um maior conhecimento de possíveis diferenças devido ao sexo biológico,  para planejar políticas de atendimento à saúde para a população [8].

            Nota: Durante a revisão deste texto,   H. Peckham e colaboradores, disponibilizam publicamente no dia 17 de abril, um preprint [9] na qual realizam uma meta-análise nos trabalhos que citam a maior chance ocorrência de mortalidade entre homens do que em mulheres, devido ao COVID-19. A análise inclui 29 relatos de casos (de um conjunto inicial de 42), publicados entre 1º de janeiro e 30 de março, e os resultados indicam que a taxa de infecção não demonstra diferenças devido ao gênero, mas os homens apresentam um maior risco de complicações e de óbito.

Fontes

* Exceto quando indicados, os acessos para os links foram realizados nos dias 16/04 e 17/04 de 2020.

[1] Estes dados podem ser acessados em sites do Ministério da Saúde, e de algumas secretarias estaduais da saúde. Também podem ser acessados em https://ourworldindata.org/coronavirus .

[2] Epidemiological and clinical characteristics of 99 cases of 2019 novel coronavirus pneumonia in Wuhan, China: a descriptive study. N.Chen et all.  Lancet 2020; 395: 507–13. Acesso pelo site https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30211-7 .

[3] Why are men more likely to get worse symptoms and die from covid-19? New Scientist, 16 de abril de 2020.   https://www.newscientist.com/article/2240898-why-are-men-more-likely-to-get-worse-symptoms-and-die-from-covid-19/#ixzz6JtHanOxA .

[4] Por que o coronavírus está matando mais homens que mulheres? BBC Brasil, 8 de abril de 2020.

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52209630 .

[5] CNARC report on COVID-19 in critical care Source: ICNARC Case Mix Programme Database, 10 April 2020  https://www.icnarc.org/DataServices/Attachments/Download/c31dd38d-d77b-ea11-9124-00505601089b

[6] Sex difference and smoking predisposition in patients with COVID-19.  H.Cai , Lancet 2020; e20. Acesso pelo link  https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30117-X .

[7] Factors associated with hospitalization and critical illness among 4,103 patients with COVID-19 disease in New York City. C. M. Petrilli et all, preprint em  https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.04.08.20057794v1

[8] Sex differences in COVID-19. Ana Sandoiu, Medical News Today, 15 de abril de 2020.  https:///www.medicalnewstoday.com/articles/sex-differences-in-covid-19

[9] Sex-bias in COVID-19: a meta-analysis and review of sex differences in disease and immunity. H. Peckham et all, 17 de abril de 2020, preprint acessivel em  https://www.researchsquare.com/article/rs-23651/v1

Texto: Fernando Kokubun

Revisão: Marcelo Bragatte @MarceloBragatte, Lilith Schneider Bizarro @Sorciere.rouge, Izabela Carvalho @carvalhoizabela.

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