Autor: Fernando Kokubun IG @fernandokokubun | Revisores: Paula Vanacor (@paulavanacor1) Ananias Queiroga (@ananias_1979)
Uma maneira de reduzir a ação do SARS-CoV-2 (o coronavírus responsável pela COVID-19) é eliminar a sua presença no ambiente, com algum processo eficiente de higienização. Usualmente a recomendação é utilizar sabão, álcool ou algum outro desinfetante. No entanto, em algumas situações estes processos de higienização podem se tornar muito trabalhosos ou mesmo inadequados.
Para algumas situações, um processo eficiente é a desinfecção utilizando a radiação ultravioleta, que em 1903 valeu o Prêmio Nobel de Fisiologia para Niels Ryberg Finsen [1]. A grande vantagem deste processo é poder desinfetar muitas coisas ao mesmo tempo ou ainda áreas grandes. Estes procedimentos de desinfecção, são utilizados atualmente para tratamento de água, do ar, de equipamentos utilizados em hospitais e clínicas com bastante eficiência, quando utilizados corretamente [3].
Mas o que seria a radiação ultravioleta? Desde os trabalhos de J.C. Maxwell em 1864, sabemos que existem as chamadas ondas eletromagnéticas, que denominamos genericamente de radiação eletromagnética. Dependendo das suas características (o comprimento de onda), estas radiações recebem nomes especiais. A luz visível, que utilizamos para iluminar algum objeto, é uma radiação eletromagnética com comprimento de onda na faixa de 400 a 750 nm, sendo nm a abreviatura de nanômetro, ou um bilionésimo de metro. Outro exemplo são radiações eletromagnéticas utilizadas para transmitir sinais de telefonia móvel (na 4G o comprimento de onda é em torno de 430 mm). A radiação ultravioleta é um tipo de radiação que tem um comprimento de onda menor do que a da luz visível, na faixa de 200-400 nm e sendo dividido em três faixas : UV-A (315-400 nm), UV-B (280-315 nm) e UV-C (200-280 nm) [2]. (Nota: na definição de UV-C, não incluímos a faixa denominada VUV – Vacuum Ultraviolet, caso incluída UV-C deve ser na faixa de 100 -280 nm [8]). As duas primeiras estão associadas às queimaduras do Sol, e com o câncer de pele. E para evitar estes problemas, são recomendados a utilização de filtros solares ou alguma outra proteção para reduzir a exposição a estas radiações. A UV-C, por ser absorvida na atmosfera, não atinge a superfície da Terra.
No caso da utilização da radiação ultravioleta como ferramenta de desinfecção, a faixa utilizada é da UV-C [3] , pois ela atua diretamente no material genético (o comprimento de onda utilizado é de 250 nm), destruindo eventuais patógenos existentes (fungos, bactérias, vírus). Como ela altera o material genético, não pode ser utilizada na presença de humanos (ou outros seres vivos) [2,3]. (Para uma rápida introdução às utilizações da UV-C na desinfecção, recomendamos o vídeo em [4], com uma entrevista do Professor Vanderlei Bagnato, do Instituto de Física de São Carlos/USP.) A utilização da UV-C é rotineira em ambulatórios /odontológicos, hospitais e laboratórios que exigem um cuidadoso processo de desinfecção,
sendo bem eficiente para diferentes patógenos (depende do tempo de utilização, da exposição do material à radiação e outros fatores). Para a COVID-19, ainda não existem estudos específicos, mas sabemos que para os coronavírus semelhantes como SAR-CoV-1 e MERS-CoV, a utilização de UV-C tem sido efetiva no processo de descontaminação [3], o que o torna um bom candidato para ser utilizado também para a COVID-19. Mas mesmo que a desinfecção de SARS-CoV-2 não seja eficiente como esperado, a utilização de UV-C é importante pois ajuda a reduzir outros patógenos presentes no ambiente. É importante ressaltar que para ter maior eficácia, a radiação deve alcançar todas as regiões do objeto. Isto implica que o método não é eficaz para desinfetar roupas (p.ex. os patógenos podem ficar dentro nas fibras das roupas) e objetos com áreas de difícil acesso para a radiação UV-C [6]. Além disso, a UV-C tende a enfraquecer alguns polímeros [5], o que a torna não recomendada para desinfetar materiais como máscaras que possuem polímero na sua constituição.
Em decorrência das restrições acima, a utilização da UV-C para a desinfecção de ambientes hospitalares (salas de cirurgia, anestesia, vestiários, áreas comuns e outros), a recomendação é utilziar conjuntamente com outros métodos de higienização, para que seja possível a redução da transmissão do SARS-CoV-2 (ou outros patógenos). Aparelhos compactos e de baixo custo têm sido projetados para reduzir ou eliminar a presença do coronavírus no ar [7] e para que possam ser utilizados em diversos locais. Devemos ressaltar que a UV-C, por provocar alterações no material genético, bem como causar câncer, queimaduras e danos na retina, não pode ser aplicada diretamente em uma pessoa, de forma que os equipamentos de desinfecção somente podem ser utilizados com muito cuidado, e com proteção adequada para os operadores. E obviamente não podem ser utilizados para desinfetar pessoas.
A técnica de desinfecção por radiação UV, tem sido utilizado por mais de 40 anos, mas uma grande novidade é que alguns estudos indicam que se a radiação estiver em 222 nm e não em 250 nm, as condições de utilização são modificadas. A profundidade que a radiação penetra depende do comprimento de onda e quanto menor o comprimento, mais rapidamente a radiação é atenuada. No comprimento de onda de 222 nm, a radiação é fortemente atenuada ao penetrar cerca de algumas dezenas de micrometros na pele, o que faz com que não cause danos no material genético das pessoas [2]. Mas uma bactéria ou vírus possui dimensões inferiores a um micrômetro, assim a UV-C de 222 nm não sofre atenuação na intensidade, e continua sendo eficiente para desativar o patógeno (se estiver exposto adequadamente à radiação). Ainda não sabemos os efeitos a longo prazo desta radiação de 222 nm, e nem se existe uma dose máxima que uma pessoa pode receber sem que cause problemas futuros, mas em exposições curtas, mesmo na região dos olhos, não existem registros de danos causados pela exposição à radiação [2]. Ainda não é possível fazer uso da UV-C de 222 nm na presença de pessoas, pois são necessários maiores estudos sobre as consequências da exposição por um grande período de tempo, e se os eventuais efeitos podem surgir devido a exposição acumulada.
Com o desenvolvimento das pesquisas, caso seja comprovado que não existam efeitos danosos para pessoas, a utilização destas fontes em 222 nm, abriria novas possibilidades de realizar desinfecções em locais públicos, de maneira contínua. Tornaria possível desinfectar parcialmente tanto o local como as pessoas que estejam de passagem no local, ajudando a reduzir a propagação de futuras doenças, e reduzindo a necessidade de medidas drásticas de quarentena para a contenção de futuros casos de pandemia. O que se espera, é que estas futuras fontes sejam compactas e na forma de LED (diodos emissores de luz), de forma que possam ser produzidos, por exemplo, painéis de LED que podem ser colocados em locais públicos ou mesmo fontes compactas que podem ser instaladas em smartphones para uso pessoal [2], o que aumentaria a eficiência dos processos de desinfecção. Mas para isso, as pesquisas necessitam ter continuidade após a pandemia, para que possamos ter uma nova aliada ao combate das futuras pandemias que infelizmente devem surgir.
Referências
[1]Niels Ryberg Finsen, Prêmio Nobel de Fisiologia em 1903, pelos trabalhos desenvolvidos sobre a utilização da radiação no tratamento de doenças. https://www.nobelprize.org/prizes/medicine/1903/summary/
[2] The potential of far-ultraviolet light for the next pandemic. J. Cartwright, Physics World, 19 de maio de 2020. https://physicsworld.com/a/the-potential-of-far-ultraviolet-light-for-the-next-pandemic/
[3] IUVA Fact Sheet on UV Disinfection for COVID-19. International Ultraviolet Association. http://iuva.org/IUVA-Fact-Sheet-on-UV-Disinfection-for-COVID-19
[4] O poder da luz ultravioleta (UV-C) no combate à COVID-19. Entrevista com Professor Vanderlei Bagnato, 17 de abril 2020. https://www2.ifsc.usp.br/portal-ifsc/o-poder-da-luz-ultravioleta-uv-c-no-combate-a-covid-19/
[5] Ultraviolet germicidal irradiation: Possible method for respirator disinfection to facilitate reuse during the COVID-19 pandemic. I. H. Hamzavi et all, J Am Acad Dermatol, vol 8, 1511-1512, june 2020. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0190962220305089
[6]Ultraviolet-C decontamination of a hospital room:Amount of UV light needed. M. Lindblad et all, Burns v46, 842-849, June 2020. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0305417919300920
[7] Raios ultravioleta podem destruir vírus, mas efeito não é imediato . R. Lara; 15/05/2020. https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/05/15/raios-ultravioleta-podem-destruir-virus-m as-efeito-nao-e-imediato.htm
[8] IUPAC Gold book. http://goldbook.iupac.org/terms/view/UT07492