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Propagação em espaços fechados

05.01.2021

Por: Mell

Autor: Fernando Kokubun (@fernandokokubun)   

Revisores: Mateus Falco (@mateuslfalco); Marcelo Bragatte (@marcelobragatte); Melissa Markoski (@melmarkoski)

A COVID-19 é uma doença que tem envolvido diversas áreas da ciência, em um curto espaço de tempo. As pesquisas, apesar de estarem fortemente concentradas nas áreas de biociências (o que é natural), devido às características do envolvimento com a saúde, também têm recebido a participação de outras disciplinas, neste esforço para entender e controlar a pandemia. Estas colaborações não surgiram apenas agora com a pandemia da COVID-19, mas a situação, sem dúvida alguma, tem tornado as colaborações mais intensas.

Neste rápido texto, vamos discutir um resultado recente relacionado com a propagação da SARS-CoV-2, utilizando uma modelagem de movimento de fluidos e das partículas (os aerossóis) transportadas por estes fluidos [1]. Mas antes de discutir o resultado, precisamos entender a importância deste tipo de simulação. 

Uma maneira de conter a propagação da doença é entender os mecanismos de transmissão do vírus. Para que o vírus infecte uma pessoa, as vias de entrada são o nariz e a boca, e  isto pode acontecer de duas formas: pela entrada do ar inalado ou quando a pessoa toca com as mãos contaminadas a boca ou nariz. Atualmente a maneira mais eficaz de evitar este caminho de contaminação é com a utilização de boas máscaras e a higienização frequente das mãos. 

Mas é importante também entender como os aerossóis se propagam nos diferentes ambientes, para que possamos implementar medidas cada vez mais eficientes com a finalidade de conter a propagação do vírus. Sabemos que diferentes ambientes possuem padrões diferentes de transmissão e, de acordo com o local, diferentes padrões de distanciamento físico são necessários.

Ao espirrar, costumamos liberar uma boa quantidade de aerossóis no ambiente e, estando uma pessoa infectada com o SARS-CoV-2, a mesma pode ser transportada para locais distantes da pessoa que espirrou. Assim, entender a dinâmica do transporte dos aerossóis têm um papel importante para determinar, por exemplo, qual a distância segura entre duas pessoas e qual o papel do ambiente na propagação. Já está estabelecido que os locais fechados são menos seguros do que ambientes abertos; que esses locais, se estiverem sob  ventilação natural, são mais seguros do que espaços com ar condicionado (que podem inclusive aumentar a região de contaminação).

Em um artigo recentemente publicado na revista Physics of Fluids,  Zhaobin Li e colaboradores apresentaram um resultado bastante interessante desta dinâmica de propagação, considerando uma pessoa em um corredor que espirra enquanto caminha. Os autores analisaram como as gotículas expelidas pelo espirro se propagam de acordo com o movimento de caminhada da pessoa. Inicialmente, foram determinados (numericamente) qual seria o movimento do ar em torno da pessoa caminhando e, posteriormente, como um conjunto de gotículas se desloca ao longo da trajetória do ar determinado anteriormente (o movimento do ar). Nas condições da simulação, onde a fração do volume da nuvem de gotículas é pequena, o movimento das gotículas não afeta o movimento do ar, o que permite esta simulação em duas etapas. 

Para a simulação, foi considerada uma pessoa caminhando com velocidade na faixa de 1,2 a 1,8 m/s, que é um valor compatível com uma pessoa andando normalmente. Na figura 1, retirada do artigo, estão representadas as dimensões da pessoa e o espaço utilizado para a simulação, onde B representa a largura, que pode ser 1,2 m ou 6,0 m, formando um corredor estreito (L1) e um outro largo (L2).

Figura 1. As dimensões da pessoa utilizado na simulação, e as dimensões do volume (apenas a metade é apresentada na figura) utilizado na simulação, sendo B=1.2 m ou 6,0 m e L1=2,0m e L2=10,0. (fonte: Zhaobin Lin e colaboradores)

No entorno da pessoa, os autores refinaram a malha para poder obter detalhes do movimento do fluido em torno da pessoa. Este refinamento é importante, pois permite levar em consideração o formato da pessoa que impactará nos movimentos dos fluidos. Na figura 2, também retirada do artigo, podemos notar a formação de diferentes estruturas do fluxo de deslocamento de ar devido ao formato do corpo. Isto mostra a importância de utilizar um modelo o mais realista possível de uma pessoa. Nos gráficos superiores são apresentados os fluxos na direção z e direção x e, nos gráficos inferiores, as direções x e y, com diferentes valores de altura (coordenada z), indicados logo acima dos gráficos. As linhas verticais tracejadas indicam o distanciamento padrão mínimo recomendado de 2 m. Nas figuras menores, o quadro foi recortado em distâncias de 2 m para uma melhor visualização. Para estas simulações, a pessoa caminha com velocidade de 1,5 m/s.

É interessante notar o fluxo nas diferentes alturas. Na altura da origem da tosse (indicado por b nas figuras), na distância padrão de 2 m, os fluxos são bem reduzidos, mas na altura da cintura (indicado pela letra c), o fluxo ainda é considerável.

Figura 2: Diferenças no fluxo de ar, para diferentes valores de B (largura do corredor), aonde podemos notar a formação de diferentes estruturas no fluxo do ar, devido ao formato da pessoa.

Utilizando o fluxo de ar obtido nos experimentos, os autores analisaram o comportamento de gotículas liberadas em um espirro com velocidade inicial na horizontal de 5,0 m/s e liberado após o início da caminhada (início da simulação). Os autores verificaram como essas gotículas se comportam em diferentes momentos (figura 3).

Figura 3. Comportamento das gotículas liberadas pelo espirro. Os modos “attached” e “detached” são explicados no texto. Traduzimos ‘attached” como acoplado e “detached” como não acoplado.

Os resultados da simulação indicam uma alta concentração das gotículas na altura da cintura da pessoa. Isso significa que uma criança andando a uma distância sugerida de dois metros, está sujeita a receber uma alta carga de gotículas e, consequentemente, de vírus. E as gotículas podem se deslocar muito além da distância de dois metros, modo denominado não acoplado (detached), onde mesmo a cinco metros de distância, a densidade de gotículas é consideravelmente alta.

A diferença entre o modo acoplado e não acoplado (attached e detached, respectivamente)  pode ser explicada pela formação de pequenas áreas de circulação de ar atrás da pessoa na figura 4. 

Figura 4. Formação de regiões de circulação de ar atrás da pessoa.

No caso acoplado (na direita da figura 4), a presença da circulação de ar, mais pronunciada atrás da pessoa, faz com que as gotículas que estão mais próximas tendem a continuar próximas, enquanto que as gotículas mais distantes tendem a se afastar, formando assim uma nuvem mais alongada (figura 3b). No caso não acoplado (na esquerda da figura 4), por não haver região pronunciada de circulação, as gotículas se distanciam da pessoa (figura 3a). 

Figura 5. Condições para a ocorrência dos modos acoplado  e não acoplado.  Editada com Biorender.

Estes diferentes modos de movimento dependem das condições de contorno do local (largura do corredor) e da velocidade de deslocamento da pessoa. A figura 5, indica em quais condições ocorrem o modo acoplado e não acoplado. 

O artigo que analisamos neste texto mostra que andar em locais fechados, como um corredor, na distância considerada ideal de 2 m, pode ser insuficiente para evitar contato com gotículas produzidas pela tosse de uma pessoa contaminada. Além disso, a exposição às gotículas para uma criança que esteja atrás da pessoa, acaba sendo mais pronunciada devido ao fluxo maior na região da cintura do adulto. Mas mesmo para adultos, como a região onde as gotículas ficam mais localizadas na altura das mãos, a distância de 2 m também não é segura, podendo contaminar as mãos. Isso acarreta na necessidade do uso de máscara e da higienização adequada e frequente das mãos.

Como conclusão, podemos dizer que é melhor evitar locais fechados e sempre utilizar máscaras. Além disso, é importante higienizar corretamente as mãos, mesmo que não se tenha tocado em nada pois, como explicado anteriormente, incorre-se no risco de contaminação pelo fluxo de ar na altura da cintura. Enquanto aguardamos a chegada da primeira vacina, as melhores medidas preventivas ainda continuam sendo uso de máscaras, higienização, distanciamento físico superior a 2 m e evitar locais fechados e aglomerações. 

[1] Li, Z., Wang, H., Zhang, X., Wu, T., & Yang, X. (2020). Effects of space sizes on the dispersion of cough-generated droplets from a walking person. Physics Of Fluids, 32(12), 121705. doi: 10.1063/5.0034874

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