Autores: Melissa Markoski (@melmarkoski) e Thomaz Arruda (@thomazaw)
Revisado por: Mateus Falco (@mateuslfalco) e Larissa Brussa Reis (@laribrussa)
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Nesses tempos de pandemia da COVID-19, pensamos que seria bem justo para o Luke Skywalker ter a sua própria máscara. E, embora ele não tenha conseguido uma “profissional” como a de seu pai, Darth Vader, ele encontrou uma de tecido que combina com seu traje preto e que lhe permite realizar todos os movimentos que precisa nessa que, para nós, é a melhor luta de sabre de luz da história! Entretanto, se a Estrela da Morte estivesse passando por um surto do novo coronavírus, será que essa máscara do Luke, sendo de tecido, embora confortável, seria capaz de protegê-lo?
De uma galáxia muito, muito distante… para nossa realidade, trazemos aqui aquele texto “amigo” (tal qual o Chewie é do Han Solo) para ajudar a esclarecer se as máscaras de tecido são efetivas e o quanto protegem da contaminação por aerossóis (partículas menores do que 0,5 µm). E antes que o império contra-ataque, explicamos que este texto é baseado no estudo publicado na revista JAMA Internal Medicine (fator de impacto 18,65) desta semana [1], que traz uma análise sobre eficiência de filtração para diferentes tipos de máscaras de tecido e adaptações das máscaras cirúrgicas a serem utilizadas como equipamento de proteção individual (EPI) pelo público geral nesses tempos da pandemia da COVID-19. Uma nova esperança, não?
Bom, se você está aterrissando aqui com aquele equipamento de voo do Mandaloriano, sugerimos dar uma olhada nesses textos da Rede Análise COVID-19, que também explicam sobre máscaras: o primeiro, ressalta a importância do uso da máscara, tanto para nossa proteção quanto para as demais pessoas; o segundo, trata da relação máscara, distanciamento e capacidades filtrantes das máscaras profissionais; o terceiro, focado no distanciamento físico, relaciona o uso da máscara aos fluxos de ar e retenção de gotículas. E agora, deixe o baby Yoda no bercinho e nos acompanhe nessa nova missão. Você vai receber como recompensa algo tão protetivo quanto o Beskar, que é a informação.
Antes de discutir o estudo em si, uma pergunta: você sabe o que é a “eficiência de filtração instalada” (do inglês, Fitted Filtration Efficiency – FFE)? Bom, a FFE é a análise da resistência de um material à penetração bacteriana, viral ou química. Ela é realizada em materiais de filtração, tecidos, capas e dispositivos projetados para fornecer proteção. Os resultados são relatados como porcentagem (%) e estão relacionados à capacidade do tecido em resistir à penetração dos microrganismos ou agentes químicos. É parecido com a situação em que o Han Solo foi congelado na carbonite para testar a máquina, que era para o Luke… Enfim, quanto mais alto o valor de FFE, melhor a eficiência da barreira de proteção. Quer um exemplo? A máscara N95 tem esse nome porque possui 95% de eficiência de filtração. A revista Jama Internal Medicine já publicou um artigo em agosto [2] que avaliou a FFE de diferentes máscaras profissionais, como os respiradores N95 e as máscaras cirúrgicas. O estudo, feito na Carolina do Norte (EUA), mostrou que máscaras N95 que passaram por procedimento de esterilização por óxido de etileno e peróxido de hidrogênio não tiveram a eficiência alterada após o procedimento, tornando as máscaras aptas a serem reutilizadas. Nessa época em que o gasto com máscaras é alto e os resíduos se acumulam cada vez mais no ambiente, a respeito da reutilização, como diria Yoda, importante isso é!
Depois que a República, digo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendou o uso de máscara para o público geral, diferentes tipos e modelos, e de várias origens como comerciais, artesanais, improvisadas, feitas a partir de diversos materiais, se espalharam pela Galáxia (inclusive com vários Jawas querendo ganhar em cima disso). Com toda essa diversidade, muitas dúvidas foram surgindo a respeito da eficiência de filtração dessas opções. Você pode visualizar os modelos de máscaras analisadas no artigo reproduzidos nas Figuras 1 e 2. Todas as máscaras foram analisadas para a FFE com base na metodologia utilizada pela Occupational Safety and Health Administration (OSHA), uma espécie de conselho Jedi da Segurança Ocupacional. O experimento foi realizado em uma câmara geradora de partículas suplementada com cloreto de sódio (NaCl) na forma de aerossol, cujo tamanho médio foi de 0,05 μm (entre 0,02 e 0,6 µm). Lembra daquele campo de asteroides em que o Solo conduziu a Millenium Falcon e quase matou a Leia do coração (Figura 3)? É mais ou menos aquilo, só que em uma escala microscópica (na verdade, nanoscópica!)… Bom, o teste feito para avaliar a FFE reflete um ambiente com partículas de diferentes tamanhos e ligeiramente menores que o SARS-CoV-2. Mas aqui, precisamos chamar a sua atenção: nenhum material biológico foi utilizado no teste. Partículas de sal (que não tem relação alguma com aquele sal vermelho do planeta Crait) é que foram utilizadas para testar as hipóteses da eficiência na filtração dos materiais das máscaras. Outro ponto que deve ficar claro é que o artigo avalia a eficiência somente em relação ao indivíduo usuário da máscara e não em relação às demais pessoas.
De volta aos experimentos, um dispositivo que corresponde a uma pequena “porta” coletora de amostra é colocado atrás da máscara (você pode ver como é feito, clicando aqui). Uma mesma pessoa veste os diferentes tipos de máscaras do experimento e realiza movimentos ordenados, como movimento de cabeça, torso e músculos faciais durante 3 minutos para cada uma das 12 máscaras. O ensaio mede a proporção de partículas presentes na câmara (onde está a pessoa com a máscara) e o que conseguiu penetrar na máscara, e o resultado é expresso em porcentagem, como mencionado acima. Então, os dispositivos são acoplados a um equipamento que faz as medições.
Figura 1. Máscaras para consumidores e coberturas faciais improvisadas (adaptado de Clapp et al., 2020).
Figura 2. Máscara de procedimento médico e modificações projetadas para melhorar o ajuste ou conforto da máscara para o usuário (adaptado de Clapp et al., 2020).
Figura 3. O campo de asteroides de Hoth (Star Wars V – O império contra-ataca) para representar os diferentes tamanhos de partículas de um gerador de partículas.
Como resultados do estudo, os pesquisadores mostraram que a análise da FFE para os diferentes tipos de máscaras variaram entre 27 e 79% de eficiência, onde a de nylon de 2 camadas (Figura 1A) teve a eficiência mais alta, enquanto a de algodão de 3 camadas (Figura 1G) teve a mais baixa. As bandanas tiveram um desempenho médio de aproximadamente 50%. O interessante foi que modificações feitas nas máscaras cirúrgicas, de maneira a melhorar seu ajuste ao rosto e diminuir as aberturas de entrada de ar (como o uso da meia de nylon, presilhas para cabelo, etc.), aumentaram a eficiência de filtração em quase 20%, dependendo do caso, chegando a até 80%. Neste sentido, a melhor aderência da máscara ao rosto pode ser comparada ao hiperpropulsor da Millenium Falcon, que melhora a aerodinâmica para alcançar a velocidade da luz! E antes que você diga que a eficiência foi baixa em alguns casos, lembramos que a função de barreira de toda e qualquer máscara é importante e que deve ser somada às medidas de distanciamento e higienização de mãos e superfícies. Além disso, você já viu o Darth Vader ou os stormtroopers sem máscara dentro de um daqueles cruzadores imperiais (locais fechados, cheios de gente aglomerada)? Aliás, cara que entende de distanciamento é o Vader… E não toca nas pessoas! A Figura 4, nosso “teaser”, resume o estudo.
Figura 4. Análise da eficiência de filtração de acordo com o estudo de Clapp et al., 2020 [1].
Enquanto estamos sob o ataque dos coronavírus, assim como os Sith atacam os Jedi, precisamos contar com a Força. A Força, no universo de Star Wars, segundo o mestre Obi-Wan Kenobi, é “um campo de energia criado por todas as coisas vivas – ela nos cerca, nos penetra; mantém a galáxia unida”. A força que precisamos nesse momento é a resiliência em manter as medidas preventivas de proteção contra a COVID-19, que precisa da união e dos esforços de todos os seres da Galáxia. A festa com os Ewoks, deixemos para depois da vacina… E que a Força esteja com você!
Observação: Nota-se que na imagem inicial, o Imperador Palpatine não está de máscara. Nem precisamos dizer que ele é do lado negro… E onde já se viu, um senhor de idade sem máscara? 😉
Melissa Medeiros Markoski
Bióloga, mestre Jedi e doutora em Biologia Celular e Molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com estágios pós-doutorais em Imunologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA); docente da UFCSPA na área de Biossegurança e pesquisadora na área de Imunoterapia e Processos Regenerativos por células-tronco (link para o Lattes: http://lattes.cnpq.br/1872859400316329).
Thomaz Arruda Wioppiold
Químico Industrial, mestre Jedi e doutor em Química pela Universidade Federal de Santa Maria, com período sanduíche na Freie Universität Berlin (Alemanha); atuou como docente no Instituto Federal Farroupilha (IFFar) – Campus Panambi e atualmente desenvolve materiais didáticos para empresas de Ensino à distância.
Referências
[1] Clapp PW, Sickbert-Bennett EE, Samet JM, Berntsen J, Zeman KL, Anderson DJ, Weber DJ, Bennett WD; US Centers for Disease Control and Prevention Epicenters Program. Evaluation of Cloth Masks and Modified Procedure Masks as Personal Protective Equipment for the Public During the COVID-19 Pandemic. JAMA Intern Med. 2020 Dec 10. doi: 10.1001/jamainternmed.2020.8168. Epub ahead of print. PMID: 33300948.
[2] Sickbert-Bennett EE, Samet JM, Clapp PW, Chen H, Berntsen J, Zeman KL, Tong H, Weber DJ, Bennett WD. Filtration Efficiency of Hospital Face Mask Alternatives Available for Use During the COVID-19 Pandemic. JAMA Intern Med. 2020 Aug 11:e204221. doi: 10.1001/jamainternmed.2020.4221. Epub ahead of print. PMID: 32780113; PMCID: PMC7420816.
Imagens:
Capa – Imagem adaptada de https://www.quora.com/; Figura 3 – https://starwarsforce.wordpress.com/2014/06/29/millenium-falcon-asteroid-field/