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Locais diferentes, padrões diferentes de transmissão

05.06.2020

Por: Mell

Autor: Fernando Kokubun IG @Fernando.kokubun

Revisores: Lilith Schneider Bizarro Twitter @BizarroLilith; Humberto Ribeiro de Souza @umobugafeiditai 

Desde sua identificação em dezembro de 2019, o vírus SARS-CoV-2, responsável pela atual pandemia da COVID-19, tem sido alvo de diversos estudos. Em especial, estudos sobre sua propagação em seres humanos são de grande importância, pois ajudam na elaboração de políticas públicas em muitos países. Por exemplo contribuem para o monitoramento da efetividade do isolamento e distanciamento social e para a avaliação da necessidade de uma maior ou menor rigidez nas medidas a serem adotadas. 

Nos estudos de propagação de doenças contagiosas, os modelos epidemiológicos têm utilizado um parâmetro representado pela letra R, que indica o número de pessoas que podem ser contaminadas a partir de outra. No caso da COVID-19, este parâmetro tem atingido valores próximos de 3 em situações sem afastamento social [2]. Importante ressaltar que a qualidade das previsões depende muito da qualidade de dados que são utilizados no modelo. 

Aproximadamente seis meses após o início da pandemia, alguns países obtiveram sucesso no controle da propagação, enquanto outros países estão longe de obter um controle aceitável. Isso torna inevitável a discussão de retomada para uma nova normalidade, reduzindo o grau de quarentena, de isolamento e buscando soluções que permitam a retomada, mesmo que gradual, das atividades.Dentro deste cenário, compreender com mais detalhes a dinâmica da propagação da pandemia, passa a ter um papel fundamental. Discussões sobre as variações locais e temporais dos parâmetros utilizados para a previsão de contágio da COVID-19 passam a ser relevantes para a discussão sobre o retorno a uma nova normalidade em diferentes localidades. 

Para compreender o cenário como um todo, precisamos entender porque em alguns casos parece ocorrer uma alta taxa de transmissão e em outros, uma taxa muito baixa. Uma maneira de compreender esta disparidade, é utilizando o conceito de aglomerado ou agrupamento (em inglês, cluster) de propagação. Ao contrário de tratar um sistema com o mesmo valor de R, considera-se que o valor de R varia de local a local, considerando algumas das suas características. O parâmetro k, denominado fator de dispersão, é utilizado para mensurar a capacidade de transmissibilidade de um cluster em particular, sendo maior a transmissibilidade para menores valores de k [2]. 

Alguns tipos de agrupamentos tendem a apresentar maior taxa de propagação da COVID-19 do que outros. Situações que exigem alta taxa de respiração, como atividades físicas intensas realizadas em academias, e atividades que utilizem a voz, como em uma sala de aula, na igreja, canto e coral, apresentam maior probabilidade de propagação da doença. Por outro lado, atividades com baixa taxa de respiração como Yoga, Pilates ou atividades musicais com instrumentos sem a utilização da voz, mesmo tendo a mesma densidade de pessoas que os casos anteriores, são menos eficientes para a transmissão do vírus [2]. Esta diferença ocorre porque o vírus pode ser transmitido por gotículas de saliva e de secreção nasal expelidas pela pessoa infectada. Além da transmissão direta das gotículas, os vírus podem ser transportados para distâncias maiores do que 2 metros (que é a distância recomendada para um distanciamento seguro com máscara) , através do ar. Isto ocorre quando os vírus são transportados pelos componentes particulados (que constituem o aerossol) que existem no ar. Em ambientes fechados, dependendo do tipo de circulação do ar, o aerossol contendo vírus pode ficar no ambiente por várias horas, e ser transportado para distâncias maiores que 2 metros. Ainda não sabemos exatamente o papel destes aerossóis no com vírus na transmissão comunitária, mas existem estudos que indicam que cerca em um minuto de fala com voz alta, uma pessoa infectada pode produzir cerca de 1000 a 100000 aerossóis contendo vírus por minuto [6]. Em um ambiente aberto, a dispersão pode ocorrer rapidamente, mas em ambientes fechados, a tendência é que fique circulando por um bom tempo no ambiente, aumentando a chance de contaminação de outras pessoas [6]. 

Existe um relato de reunião de família onde o número de contaminados foi extremamente alta (dos 28 participantes, metade foi contaminada com o vírus) em uma cidade do interior de SP [1]. Nos EUA, entre membros de um coral de 63 participantes, 58 foram contaminados [2]. Em alguns frigoríficos que atuam no RS, em especial em Passo Fundo [3], o número de trabalhadores contaminados também indica um alto índice de transmissibilidade. Por outro lado, algumas aglomerações, como na Orla do Rio Guaíba em Porto Alegre (RS), aparentemente não tem causado um aumento explosivo no número de casos na cidade. Contudo, no Brasil não existe uma política pública de rastreamento de possíveis contaminados, o que pode causar subnotificações de casos. Sem uma compressão das razões destas disparidades na taxa de contaminação, ficamos impossibilitados de definir políticas públicas que possam conter a COVID-19, e também de definir quando podemos relaxar os critérios de distanciamento social ou se devemos impor uma medida mais dura como um lockdown geral [5]. 

O método para determinação dos clusters de propagação, quando bem implementado com medidas de rastreamento das pessoas contaminadas e os contatos destas (contato direto ou não) com outras pessoas, foi a medida utilizada no Japão. Inicialmente este país não tinha nenhuma restrição ao movimento e deslocamento, mas no início de abril, quando no Japão o número de caso diários estava atingindo cerca de 750 casos por dia, o governo implementou este procedimento de rastreio dos clusters de aglomeração e propagação e concentraram os esforços para controlar ou mesmo fechar estes clusters. Os estudos indicaram como grandes clusters de propagação, ambientes fechados como clubes, bares, restaurantes, ginásios e 

academias, com casos de transmissibilidade que chegava a ser 20 vezes maior do que em ambientes abertos. Um mês após a implementação destas medidas, os índices de casos e óbitos reduziram drasticamente [2], mostrando a eficiência desta medida. Além deste rastreamento de clusters, não podemos esquecer que foi fundamental a participação da população no respeito às regras estabelecidas (usar máscaras em público, reduzir contatos diretos, e outras medidas importantes). 

Aqui no Brasil, infelizmente, o procedimento de determinar os clusters e isolar as pessoas participantes e aquelas que tiveram contato com alguém destes aglomerados dificilmente seria efetivo. O exemplo recente de uma aluna da Academia de Polícia do RS, que testou positivo para a COVID-19, e mesmo assim as aulas não foram canceladas e nem os outros alunos testados [5], é um claro indício que estas medidas acabariam sendo desrespeitadas. Apesar disso, este ainda aparenta ser o método mais adequado no momento da atual pandemia e que evitaria o caso extremo de lockdown completo. Qualquer que seja o método a ser utilizado, é importante haver um comprometimento da sociedade (governo e população) com as medidas a serem adotadas. Sem este comprometimento, nenhuma medida irá funcionar. 

Referências 

[1] ‘Ela tinha medo do coronavírus’: exame confirma que mulher morreu por covid-19 após festa. V. Lemos Da BBC News Brasil em São Paulo, 8 abril 2020
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52218751

[2] Why do some COVID-19 patients infect many others, whereas most don’t spread the virus at all? K. KupferschmidtMay; Science 19, 2020.
https://www.sciencemag.org/news/2020/05/why-do-some-covid-19-patients-infect-many-others-whereas-most-don-t-spread-virus-all?utm_campaign=news_daily_2020-05-19&et_rid=689890564&et_cid=3332443#

[3] Avanço da Covid-19 em frigoríficos segue preocupando o RS. T. Copetti, Jornal do Comércio, 3 de maio de 2020. https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/economia/2020/05/737162-avanco-da-covid-19-em-frigorificos-segue-preocupando-o-rs.html

[4] Curso de delegados da Polícia Civil mantém aulas após aluna ser diagnosticada com coronavírus. Gaucha Zero Hora, 1 de junho de 2020. https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2020/06/curso-de-delegados-da-policia-civil-mantem-aulas-apos-aluna-ser-diagnosticada-com-coronavirus-ckawww04e00h6015nhivnozvp.html

[5] Lockdown será inevitável em SP se isolamento não subir nas próximas semanas indica estudo. K. Toledo, Revista Fapesp, 12 de maio de 2020. http://agencia.fapesp.br/ilockdown-i-sera-inevitavel-em-sp-se-isolamento-nao-subir-nas-proximas-semanas-indica-estudo/33147/

[6] Reducing transmission of SARS-CoV-2. K.A. Prather et all, Science 27 May 2020. https://science.sciencemag.org/content/early/2020/06/02/science.abc6197.1

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