Autores: Fernando Kokubun. Instagram @fernandokokubun
Revisão: Mellanie Dutra. Twitter @mellziland
A pandemia da Covid-19, iniciada em 2019 já atingiu quase todos os países do planeta. Atualmente podemos classificar os países em três grandes grupos: o primeiro com taxa positiva de casos de covid-19; 2) o segundo com taxas em declínio e o 3) com taxas praticamente zero. O Brasil está no primeiro grupo, junto com outros 74 países [1]. Uma das esperanças iniciais para diminuir o ritmo da pandemia, era a de inicialmente achatar a curva para não sobrecarregar os sistemas de saúde dos paiśes com casos do COVID-19, de forma que as pessoas que eventualmente tivessem os sintomas mais graves (cerca de 20% a 30% dos casos fossem atendidos nos hospitais, sem superlotação nas UTI.Essa idéia era bastante forte inicialmente em Março, e foi amplamente adotada pelos países Europeus, sob a perspectiva de que sua população na faixa idosa é muito prevalente e seria uma estratégia de mitigar os efeitos mais complexos da COVID-19. Os outros infectados, com casos leves, seriam tratados em casa, sem a necessidade de hospitalização.
Depois de alguns meses neste processo, a esperança era que boa parte da população estaria imunizada naturalmente e as restrições para movimentação poderiam ser lentamente reduzidas ao longo do tempo. Mas infelizmente, alguns resultados obtidos ao longos destes últimos meses levantaram muitas dúvidas sobre a possibilidade real de conter a pandemia apenas com medidas de restrições ao movimento. Alguns países que já teriam contido o avanço da pandemia, iniciaram o movimento de reduzir as restrições, mas em alguns casos ocorreram um retorno inesperado de casos, iniciando a chamada segunda onda de infecções [2]. Hoje, em Pequim na China, foram registrados novos casos de COVID-19, levando as autoridades a isolar 500 pessoas mil pessoas após esse novo surto [8] Esta segunda onda era esperada, mas a sua amplitude tem sido mais alta do que inicialmente a esperada. Mas exatamente o que seria a segunda onda? E quais seriam os possíveis motivos para a amplitude ser maior do que a esperada?
A pandemia de COVID-19, somente poder ser considerada finalizada, no momento que não ocorrer mais novas infecções (ou em proporções muito pequenas que sejam fáceis de serem rastreadas e controladas) nos diferentes países, partindo da hipótese que as pessoas estariam em sua grande maioria imunizadas por contato prévio com o SARS-CoV-2. No entanto, esperar que a chamada imunidade de rebanho seja alcançada, exigiria um longo tempo de isolamento e quarentena da população, o que poderia causar danos irreparáveis na economia global. Ainda, poderíamos visualizar um número de óbitos elevadíssimo se contássemos somente com essa estratégia [9]. Assim a proposta era que após atingir a primeira leva de redução de casos, com redução dos óbitos e novos casos, as atividades normais deveriam ser retomadas de forma cautelosa, evitando o ressurgimento de casos em grande número, a chamada flexibilização do distanciamento social. A segunda onda de infecção, seria então uma consequência esperada, uma vez que ainda existiria uma parcela da população suscetível ao novo coronavírus, mas com um menor número de casos do que a primeira onda, por exemplo. Um estudo realizado em [3], indica que uma possível segunda onda, com transmissão alta seria mais difícil de controlar, exigindo procedimentos não farmacológicos bem mais rígidos para retornar para a normalidade. Pequim recentemente implementou normas mais rígidas devido ao aumento de casos na capital e seus arredores, impondo limitações para a mobilidade de meio milhão de pessoas [4], para tentar conter o aumento de casos. Um exemplo de uma aparente segunda onda, pode ser verificado no gráfico de casos (média semanal) para a Alemanha , na figura 1.
Figura 1. Exemplo de uma segunda onda, na Alemanha. Fonte do gráfico Wordindata.
Podemos notar o pico correspondente para a primeira onda, e mais adiante um pequeno pico, para a segunda onda (trecho destacado com um quadrado vermelho). Neste caso, a segunda onda parece ter sido contida, impedindo uma nova onda de casos de COVID-19, requerendo rastreios abrangentes e isolamento dos casos suspeitos e confirmados. No entanto, para alguns casos, a segunda onda parece estar ocorrendo ainda na prevalência da primeira onda, de forma que o termo “segunda onda” seria um termo inadequado [5]. O Brasil estaria neste grupo, aonde uma segunda onda se sobrepõe na primeira onda de infecções.
A segunda onda de infecções aparentemente parece inevitável enquanto não existir um tratamento efetivo e vacinas para a COVID-19. Para evitar problemas sérios, é necessário manter regras rígidas de distanciamento,higienização,utilização de máscaras, testes frequentes e rastreamento para poder conter rapidamente qualquer sinal de infecções com a SARS-CoV-2 [2,3,6].
E ao contrário do que era esperado, infelizmente a imunização esperada para as pessoas que já contraíram a COVID-19, não está ocorrendo, e mesmo nos casos com imunização, os dados indicam que ela duraria muito pouco tempo [10, 11]. Assim, até que possamos ter uma vacinação em massa da população, a solução existente é manter um rígido controle em eventuais reaberturas da economia, mesmo que ocorram após a primeira onda. As que ocorrem ainda na vigência da primeira onda, apenas pioram a situação. É necessário neste momento ter muita responsabilidade no planejamento das ações públicas. Neste momento, o estado do MS é o único estado que decretou fechamento completo por 14 dias, reabertura controlada por 14 dias e a repetição deste ciclo até o mês de setembro [7]. Outros estados, com situações semelhantes ou mesmo piores, parecem estar temerosos de tomar atitudes mais drásticas, enquanto os casos continuam a aumentar nos seus estados.
Referencia
[1] Coronavírus: Brasil é um dos mais afetados entre 75 países onde epidemia ainda cresce. BBB, 15 de junho de 2020. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53047836
[2] Beware of the second wave of COVID-19. S.Xu; Y. Li. Sessão de comentário The Lancet v395, 1321-1322, 25 de abril de 2020. https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30845-X/fulltext
[3] First-wave COVID-19 transmissibility and severity in China outside Hubei after control measures, and second-wave scenario planning: a modelling impact assessment. K. Leung et all. The Lancet 395, 1382–93 , 2020. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30746-7
[4] China confina meio milhão de pessoas perto de Pequim por covid-19. Redação, O Estado de São Paulo, 28 de junho de 2020. https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,china-confina-meio-milhao-de-pessoas-perto-de-pequim-por-covid-19,70003347368
[5] Why scientists say talk about a second wave of COVID-19 cases is premature. Los Angeles Times, 22 de junho de 2020. https://www.latimes.com/science/story/2020-06-22/why-scientists-say-talk-about-a-second-wave-of-covid-19-cases-is-premature
[6] Uso massivo de máscaras pode ‘impedir segunda onda de covid-19’, diz estudo. BBC News Brasil, 16 de junho de 2020. https://www.bbc.com/portuguese/geral-53058930
[7] Coronavírus: Caiado pede lockdown por 14 dias em Goiás . Redação Veja, 29 de julho de 2020. https://veja.abril.com.br/saude/coronavirus-caiado-pede-lockdown-por-14-dias-em-goias/
[8] China isola 500 mil pessoas na região de Pequim após novo surto de covid-19 https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/06/28/china-isola-500-mil-pessoas-na-regio-de-peq uim-aps-novo-surto-de-covid-19.ghtml?fbclid=IwAR3_Fno2TwA9zNeidNOSpnXuTzCJh7_UO_s SXlIFHNE1XsQjQzn3BYabvu8
[9] ‘Imunidade de rebanho’ poderia gerar 150 mil mortes em Minas, diz epidemiologista https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/05/27/interna_gerais,1151269/imunidade-de-reb anho-gerar-150-mil-mortes-em-mg-diz-especialista.shtml
[10] As lições que os parentes do SARS-CoV-2 nos dão: a imunidade duradoura é pouco provável https://www.ufrgs.br/coronavirus/base/artigo-as-licoes-que-os-parentes-do-sars-cov-2-nos-dao- a-imunidade-duradoura-e-pouco-provavel/ [11] Clinical and immunological assessment of asymptomatic SARS-CoV-2 infections https://www.nature.com/articles/s41591-020-0965-6