Autor: Fernando kokubun IG e FB @fernandokokubun
Revisores: Mellanie F. Dutra (@mellziland), Larissa Brussa Reis (@laribrussa)
A Organização Mundial da Saúde declarou oficialmente a pandemia no início de março de 2020 [1]. Desde esta declaração até o atual momento (outubro de 2020), muitas novas informações foram obtidas, e ainda continuam a ser produzidas sobre a doença e o coronavírus SARS-CoV-2. Estamos vivendo um momento de expectativa com uma possível vacina para imunizar boa parte da população e conter a pandemia.
No início, acreditava-se que a COVID-19 seria semelhante a uma forte pneumonia e que atingia mais o sistema respiratório. Com o tempo, ficou claro que é uma doença que afeta diversos órgãos, com sintomatologia diversa [2]. Como a doença apresenta uma taxa relativamente baixa de óbitos (apesar da alta taxa de transmissão, o que acarreta em elevado número de infectados e, consequentemente, de óbitos), e um número alto de recuperados sem a necessidade de hospitalização, não havia muita preocupação com as pessoas que conseguiam se recuperar, em especial os assintomáticos e os que não tiveram a necessidade de hospitalização. Assim, as principais preocupações naturalmente acabaram convergindo na busca de um tratamento eficaz e nas medidas preventivas para conter a propagação, medidas como a utilização de máscaras [3], higienização e distanciamento social, conjuntamente com a busca por uma vacina [4] para a COVID-19.
No entanto, com o passar do tempo, começaram a surgir informações de pessoas que haviam se recuperado da COVID-19 , mas continuaram a apresentar diversos sintomas, principalmente fadiga e dificuldade de respirar, além de dores musculares, dores de cabeça, depressão, entre outros. A princípio, acreditava-se que a medida que as pessoas saíssem da UTI ou de um tratamento intensivo, estes sintomas rapidamente iriam desaparecer. Com o tempo e o avanço das investigações, estes sintomas também passaram a ser detectados em pessoas que tiveram casos leves a moderados, e mesmo em pessoas assintomáticas [5,6].
Em julho de 2020, um texto da British Medical Journal [7] destacava o seguinte parágrafo:
“As evidências mostram que muitos desses sobreviventes [da COVID-19] estão propensos a ter problemas de saúde contínuos, incluindo dificuldades respiratórias, cansaço persistente, função muscular reduzida, dificuldade de realizar tarefas diárias e problemas de saúde mental, como transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão”.
Essa passagem do texto demonstra uma diversidade de sintomas nas pessoas recuperadas, e que, em alguns casos, eram de longa duração, estando presentes meses depois da recuperação.
Em alguns casos os sintomas relatados são extremamente incapacitantes [5]:
“Eu costumava ir à academia três vezes por semana”, diz Akrami. Agora, minha atividade física é da cama ao sofá, e algumas vezes do sofá para a cozinha.”
Outro relato sobre a situação dramática de recuperados [6]:
“(…) Paul Garner que teve que parar de trabalhar depois de pegar COVID-19 em meados de março, compara a sensação a ser atingido na cabeça por um taco de críquete. (…) Agora, três meses depois, ele só consegue trabalhar por 20 minutos e logo sente a necessidade de descansar por cerca de uma hora, para que consiga retomar a atividade (…) ”.
Para entender essas situações (e outras) de pessoas recuperadas da COVID-19, alguns grupos de pesquisa que habitualmente rastreiam outras doenças e a evolução após a recuperação, passaram a incluir os dados dos recuperados da COVID-19 [5,8].
Um estudo recente divulgou que 1 a cada vinte infectados por COVID-19, apresentam estes sintomas de longa duração (chamados de long COVID ou Covid Longa), após a cura [9,10]. Os dados para as análises, foram obtidos pelo aplicativo COVID a Study app De acordo com os dados, apesar da maioria dos recuperados (uma amostra de 4182 relatos) relatarem ter voltado ao normal em 11 dias (cerca de 80%), os outros 20% demoraram mais tempo, sendo que cerca de 2,3% do total apresentaram sintomas persistentes (por mais de 12 semanas) [9]. A partir desses resultados, o grupo ajustou os dados para a toda população do Reino Unido, chegando a conclusão de que 14.5% apresentam sintomas por pelo menos 4 semanas, 5.1% por 8 semanas e 2.2% por 12 semanas ou mais. Os períodos (dias) indicados no trabalho são considerados a partir da identificação do início dos sintomas, e os casos com sintomas que duram mais de 28 dias, são os considerados Covid Longa [10].
Os dados também indicam que a Covid Longa, é mais comum em grupos de pessoas com mais idade, IMC acima da média e para mulheres, mas não sendo exclusivas deste grupo de pessoas. De acordo com os pesquisadores, as pessoas que apresentam mais de cinco sintomas na primeira semana (para uma leitura sobre os possíveis sintomas da COVID-19, ver [2] ) são os mais propensos a serem classificados na categoria de Covid Longa.
A gravidade em alguns casos de pós recuperação, não atinge apenas pessoas que tiveram necessidade de utilização de UTI, mas mesmos casos leves e assintomáticos aparentemente podem causar sintomas preocupantes. Um exemplo importante, é o caso de atletas de alto desempenho , que podem apresentar problemas cardíacos [11,12].
A COVID-19 é uma doença que ainda não temos todas as informações, e muitas informações somente serão obtidas e compreendidas após alguns anos de estudos e coleta de dados das infecções que estão ocorrendo agora. Ainda não sabemos se os sintomas reportados pelas pessoas recuperadas podem desaparecer ou se tornarem imperceptíveis sem grandes impactos ao longo do tempo, ou ficarem como sintomas para o resto da vida, podendo debilitar uma parcela considerável da população. Sendo assim, no momento, a melhor opção é prevenir, reduzindo o número de pessoas contaminadas na tentativa de evitar problemas futuros. É preciso não descuidar dos cuidados básicos como higienização, uso de máscaras e evitar aglomerações e locais com ventilação inadequada, e esperar por uma vacina segura e eficaz.
[1] WHO Director-General’s opening remarks at the media briefing on COVID-19 – 11 March 2020.
https://www.who.int/director-general/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19—11-march-2020
[2] Sintomas da Covid-19. F. Kokubun , Rede Análise Covid-19.
[3]O que ainda precisamos saber sobre máscaras e COVID-19. M. M. Markoski.
O que ainda precisamos saber sobre máscaras e COVID-19
[4] “Eu nos protegerei”: o ato de se vacinar em um mundo assombrado pela desinformação. M. Dutra, Rede Análise Covid-19.
https://redeaanalisecovid.wordpress.com/category/vacinas/
[5] From ‘brain fog’ to heart damage, COVID-19’s lingering problems alarm scientists;
J. Couzin-Franke, Science , 31 de julho de 2020. https://www.sciencemag.org/news/2020/07/brain-fog-heart-damage-covid-19-s-lingering-problems-alarm-scientists
[6] Why strange and debilitating coronavirus symptoms can last for months. L Geddes, New Scientist, 24 de junho de 2020. https://www.newscientist.com/article/mg24632881-400-why-strange-and-debilitating-coronavirus-symptoms-can-last-for-months/#ixzz6c52hodVB
[7]Covid-19: What do we know about “long covid”? E. Mahase, BMJ 2020;370:m2815, 14 de julho de 2020. http://dx.doi.org/10.1136/bmj.m2815
[8] Thousands of people will help scientists to track the long-term health effects of the coronavirus crisis. A. Abbott, Nature , 2 de junho de 2020.
https://www.nature.com/articles/d41586-020-01643-8
[9] One in 20 people likely to suffer from ‘Long COVID’, but who are they? The COVID symptom study , 20 de outubro de 2020.
https://covid.joinzoe.com/us-post/long-covid
[10] Attributes and predictors of Long-COVID: analysis of COVID cases and their symptoms collected by the Covid Symptoms Study App. C.H. Sudre et all, Preprint MedRxiv, outubro de 2020.
https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.10.19.20214494v1
[11] PERILLO FILHO, Marcos et al. Esporte em Tempos de Covid-19: Alerta ao Coração. Arq. Bras. Cardiol. [online]. 2020, vol.115, n.3 , pp.303-307. https://doi.org/10.36660/abc.20200652.
[12]Resurgenege of sport in teh wake of COVID-19: cardiac considerations in competitive athletes. A. Baggish et al.Br.J.SportsMed, 2020, v 54,1125-1135. http://orcid.org/0000-0003-3519-9120