Autores: Larissa Brussa Reis (@laribrissa), Leopoldina Lavor (@lavordina), Isaac Schrarstzhaupt (@schrarstzhaupt)
Revisores: Mellanie F. Dutra (@mellziland), Rute Maria Gonçalves de Andrade (@rutemga2)
Imagem: Praia do Rio de Janeiro no feriado de 7 de Setembro de 2020 Fonte: Uol Notícias
Nosso 7 de Setembro de 2020 passou longe de ser motivo de comemoração. O que se viu durante este final de semana prolongado, devido a data em que se comemora a “Independência do Brasil”, foram aglomerações nos litorais do país, em bares e restaurantes, além da não utilização das máscaras como meio de proteção contra o novo coronavírus.
A pandemia nos coloca dependentes do bom senso coletivo. Somos dependentes do outro. Das políticas públicas de enfrentamento. De que o outro se cuide, de que o outro não espalhe o vírus em nossa comunidade depois de contraí-lo sem saber após uma simples “passadinha” em algum lugar turístico durante o feriadão. E, ao que tudo indica, estamos falhando mais uma vez enquanto sociedade.
Ao chegarmos no sexto mês de, no mínimo, uma tentativa de manutenção do distanciamento social após a reabertura das atividades econômicas, estamos vendo nossos esforços, cada vez mais, terem menos adesão enquanto sociedade. Existe um consenso de exaustão entre a comunidade de trabalhadores da saúde e científica envolvidas no enfrentamento da pandemia, que se vêem de mãos atadas, cansadas de tentar explicar o óbvio e de serem ignoradas. Além desses, o cansaço parece ter tomado conta de uma boa parte da população que ficou em quarentena durantes os últimos meses e agora começa a sair e ocupar os espaços de lazer, algumas até não tão preocupadas com os protocolos de higiene como antes. Porém, é sempre bom relembrar que já são mais de 127 mil mortos em 6 meses, não são apenas números, são pessoas, familiares e amigos de alguém que não está mais presente.
Todos os dias, nos deparamos com perguntas como “Mas e os mortos de câncer? Do coração? De AIDS? Disso ninguém fala!”. Sim, outras pessoas continuam morrendo de outras doenças, exatamente! No entanto, o Sistema Público de Saúde (SUS) está extremamente sobrecarregado pois, além das doenças que frequentemente precisamos lidar, temos a COVID-19, que está matando na faixa de 500 pessoas por dia. Não é difícil imaginar o caos. As equipes da linha de frente do enfrentamento estão pedindo socorro. A esta altura, duas situações precisam ser, novamente, esclarecidas para a população. Vamos aos fatos:
Primeiro, estamos no mês de Setembro de 2020 e ainda está ocorrendo uma pandemia, atualmente temos mais de 4 milhões de infectados diagnosticados. Sabemos que o Brasil só testa pessoas que já estão com os sintomas visíveis ou com algum familiar próximo infectado, ou seja, o número é bem maior.
Segundo, essa pandemia está longe de acabar. Não somos nós, da Rede, quem estamos dizendo. São os fatos que acontecem diariamente. Temos no estado do Maranhão, por exemplo, um inquérito sorológico feito pela UFMA (Universidade Federal do Maranhão) que nos mostra a estimativa de 40% da população infectada pelo SARS-CoV-2. Estamos, no Brasil, com aproximadamente 4.100.000 infectados. Se estimarmos uma subnotificação nacional de dez vezes, teremos 41.000.000 de possíveis infectados, o que equivale a 19,75% da população. Esse é mais um indicativo de que ainda existem muitas pessoas suscetíveis e passíveis de infecção, com possibilidade de piora em seus quadros de saúde.
O fato é que a pandemia está em curso e estamos lidando com um agente biológico, altamente transmissível, que pode se comportar de maneira diferente em cada hospedeiro. E por mais que uma parcela da nossa sociedade finja que nada grave está acontecendo ou pense que tudo isso é “exagero”, que os meios de comunicação estão nos “manipulando” e outras dezenas de teorias da conspiração (que desviam a atenção para o que de fato está acontecendo), a contaminação pelo novo coronavírus está realmente acontecendo e, todos nós, Estado e sociedade civil, fazemos parte da articulação para resolver a crise sanitária e tudo que está por vir.
Os próximos passos da pandemia da COVID-19 serão dependentes de diversas variáveis, que incluem o comportamento do vírus e a interação dele com o nosso organismo e com o nosso sistema imune. Já foi explicado um pouco nesse texto da Rede sobre a interação dos vírus com o nosso genoma ao longo da evolução dos seres vivos. Os processos que ocorrem são dinâmicos e podem ter seus cursos afetados por uma série de variáveis, com causas e consequências.
É importante entender que quanto mais diversas pessoas se infectam, mais o vírus se replica. A replicação do material genético de cada vírus depende de uma célula hospedeira, que é utilizada como uma espécie de maquinaria para essa replicação ocorrer. E durante esse processo de replicação, podem acontecer erros no pareamento de bases nitrogenadas que compõem o material genético do vírus. Esses erros são as chamadas mutações, que podem perdurar para a próxima geração de vírus durante o curso da infecção. Embora o novo coronavírus não tenha a mesma taxa alta de mutação de vírus como o HIV e o vírus Influenza da gripe, por exemplo, precisamos lembrar que não tínhamos informações prévias sobre como lidar com ele.
Ao analisar a curva de infecção de outros países e compará-la com a do Brasil, podemos ver que no Brasil, o pico se comportou de uma maneira totalmente diferente. Enquanto os países que tomaram medidas mais rígidas de isolamento social, como Alemanha, Espanha e Itália tiveram um pico de curta duração, seguido por um período de queda, o Brasil estacionou no seu pico, ou seja, estamos vivendo um platô diariamente com altos números de infectados e mortos. Isto nos mostra que no Brasil, a epidemia se mantém.
Por aqui, fechamos e restringimos atividades econômicas durante um período, de uma maneira não tão rígida. Isso causou uma redução na velocidade do aumento no número de ocupações de leitos de UTI e no número de mortes/dia, mas não foi o suficiente para causar uma queda como vimos nos países europeus. Isso tem um efeito colateral duplo: as pessoas cansam e a quantidade de novos casos não baixa o suficiente para uma abertura gradual responsável.
Agora, começamos a retomar as atividades comerciais com uma abertura que, mesmo gradual, já seria perigosa, e o que realmente estamos vendo é uma volta a vida social intensa. Nesse sentido, há um argumento que diz que é complicado ter de ir trabalhar, pegar ônibus lotado, e não poder ir à praia. Acompanhe conosco: sabemos que o número de interações com outras pessoas, o tempo destas interações e a área do ambiente onde ocorrem essas interações influenciam no risco do contágio. Se, ao pegar o ônibus lotado, temos uma chance de contágio, ao irmos à praia extremamente lotada teremos, então, uma chance também de contágio. Se pegarmos o ônibus e irmos à praia, temos, então, nossas chances se multiplicam ainda mais, dada a exposição nesses ambientes, frequentemente alvos de aglomerações.
Já que é necessário um retorno das atividades econômicas, e que o Brasil tem 280,9 milhões de pessoas utilizando o transporte público (dados de 2019), o ideal é aumentar as frotas de ônibus para evitar aglomerações. Segundo Bertoni (2020) “os ônibus são espaços com alto risco de transmissão do novo coronavírus por serem ambientes fechados, com pouca ventilação e presença de ar-condicionado, além da dificuldade de manter um distanciamento mínimo de um metro entre uma pessoa e outra”. Antes da pandemia, a superlotação dos ônibus no país já era um problema a ser resolvido pelas políticas públicas, agora com a crise sanitária, esse contexto social impacta diretamente na disseminação do vírus para os trabalhadores. Além da superlotação nos ônibus, as outras aglomerações que estão acontecendo nos espaços de lazer, como bares, restaurantes e praias, contribuem para que os números de contaminados no Brasil continue no platô de mais de 1.000 casos por dia.
Necessitamos do lazer, mas a cada aumento do número de interações próximas, e também do tempo dessas interações, aumentamos o nosso risco, com ou sem lazer. Isso, aliado ao comportamento que estamos vendo, é motivo de preocupação para o futuro do controle da crise sanitária.
Embora existam vacinas a caminho – estão por enquanto somente a caminho – não sabemos se o desfecho disso tudo será o mais favorável, como uma vacina confiável, segura e com amplo acesso, seguindo todas as etapas descritas nesses dois textos. Não sabemos se as vacinas irão funcionar para maior parte das pessoas. Outra questão é quando de fato teremos uma vacina disponível para uma vacinação em massa da população mundial. Aqui podemos citar o exemplo do sarampo, uma infecção viral que possui vacina bastante protetiva há décadas e mesmo assim ainda segue causando surtos por falta de adesão à vacinação. Naturalmente, ninguém é obrigado a se vacinar. No entanto, vacinar-se é responsabilidade social, na medida que estamos protegendo a nós mesmos e às pessoas a nossa volta, especialmente àquelas que, por alguma razão, não podem se vacinar.
E finalmente, podemos citar a questão da aceitação da vacina. Quando a vacina chegar, será preciso que o número de pessoas dispostas a tomar essa nova vacina seja suficiente para criar uma imunidade de rebanho, onde mesmo os não vacinados se tornam protegidos pela maioria vacinada que diminui a alta circulação do vírus e automaticamente a probabilidade da pessoa não vacinada contrair a doença. Hoje estamos acompanhando uma verdadeira “corrida das vacinas” onde as potências do mundo todo tentam produzir a melhor vacina possível primeiro. E dependendo de quem “vencer” essa corrida, isso pode gerar aceitação ou rejeição por parte da população devido a questões políticas.
Para resumir, com ou sem uma vacina, o novo coronavírus permanecerá circulando por um bom tempo. Sabemos que animais podem ser reservas biológicas importantes desse vírus e que será necessária a continuidade com as medidas de proteção (utilizando máscaras, álcool gel e distanciamento social). Enquanto não temos uma boa ferramenta assertiva para a administração da pandemia, devemos continuar exercendo o bom senso e restringindo nossa circulação ao máximo possível, dentro de cada realidade, saindo minimamente para o necessário e evitando aglomerações. Podemos, sim, ver alguns amigos e familiares em pequenos números, com máscaras e mantendo o distanciamento social, com cuidados e precauções. Qualquer situação além disso, é estar se expondo ao perigo de contágio. A resposta para a pergunta inicial é: não, a pandemia não acabou. A pandemia continua e nossas ações influenciarão os próximos desfechos.
Referências:
Zhao, Z. et al (2004) Moderate mutation rate in SARS coronavirus genome and its implications. BMC evolutionary biology, 4 (1), 21.
Qual o futuro do coronavírus e da COVID-19. Canal do Atila Iamarino . Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=llLB1nwH1FE> Acesso em 07 de Setembro de 2020.
Covid-19: Risk of second wave is very real, researchers say. Disponível em https://search.proquest.com/docview/2430650437/abstract/A5520E380C2D451CPQ/1. Acesso em 07 de Setembro de 2020.
BERTONI, Estêvão. Por que o transporte coletivo é um entrave na pandemia. Nexo Jornal. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/06/15/Por-que-o-transporte-coletivo-%C3%A9-um-entrave-na-pandemia>. Acesso em: 8 set. 2020