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O AUXÍLIO QUE TALVEZ NÃO SEJA EMERGENCIAL ASSIM

09.04.2020

Por: Mell

 

“Aqui tá dizendo que o código só é válido por 4 horas. Eu tenho que sair correndo aqui e chegar na Caixa em menos de 4 horas? – Não, tio. Esse código você vai decorar e escrever onde colocaram um espaço aí no aplicativo. Não precisa sair de casa”. Essa pergunta que recebi do meu tio, bem descolado na internet, enquanto ele tentava realizar o próprio cadastro no aplicativo do Auxílio Emergencial da Caixa, acendeu a certeza do que já desconfiava: vai ser muito mais difícil do que se imagina ter acesso a essa renda.

Por mais que seja compreensível a iniciativa de realizar uma política virtual, uma vez que a aglomeração de pessoas é completamente desencorajada durante a pandemia, há que se levantar o perfil do público alvo que a política pretende atingir. É verdade, no Brasil, quase 100% dos municípios possuem acesso à internet e mais de 90% da população possuem um telefone celular. Mas que tal ir além disso e compreender as nuances?

Embora o serviço esteja disponível, o real uso da internet é feito por 70% da população, de acordo com a PNAD 2018. Nas classes D e E, esse percentual cai para 48%, e na zona rural 49%. Não é difícil inferir que o público-alvo da política de renda emergencial seja exatamente essa parcela da população. Mas vamos além. Diversos trabalhadores informais, que utilizam da tecnologia no trabalho, terão maior facilidade e conseguirão o benefício com maior rapidez. Mas e o restante? E os trabalhadores manuais que não possuem essa facilidade? E os demais beneficiários que não possuem internet? E a população de rua, população indígena e ribeirinha, que estão no CadUnico, mas não recebem o Bolsa Família? E as pessoas que não tem certeza se são beneficiários? Eles irão aglomerar as agências e lotéricas, sem dúvida. Essa movimentação vai causar o efeito contrário do que a política se pretendeu. E, pior, sem preparo, funcionários ou organização para isso.

Na verdade, já estão aglomerando. É espantosa a quantidade de pessoas aglomeradas nas portas das agências da Caixa e lotéricas, em todo o Brasil, desde o dia em que o cadastro foi iniciado. Porque elas preferem que alguém faça por elas. Ao compreender isso, talvez tivesse sido mais prudente conciliar uma política de busca ativa dos beneficiários, junto ao cadastro virtual.

Além disso, o fato de ser um aplicativo construído em uma semana (e aqui tem o seu mérito), dá margem para erros, como não permitir a correção dos dados após o preenchimento. Os erros devem ser aceitáveis e passíveis de correção, ainda mais para uma população que, em média, não completou o ensino médio. Fora a criação de inúmeros aplicativos falsos com o mesmo nome, que se aproveitam da população desesperada e coletam dados para outros fins. Tudo isso também faz com que vários cidadãos se dirijam ao atendimento físico para conseguir melhores esclarecimentos.

Uma vez superado o cadastro, vamos aos novos desafios. No momento em que escrevo esse texto, mais de dois milhões de beneficiários já receberam os R$600,00, mas é preciso ter claro a forma como será feita. O crédito é liberado em uma conta bancária, à escolha do beneficiário. Para quem não possui conta, o aplicativo cria uma conta virtual da Caixa, para o depósito exclusivo desse benefício. Para essas pessoas, o benefício não poderá ser sacado em dinheiro em espécie, no primeiro momento. Apenas poderão ser realizadas transferências ou pagamentos pelo aplicativo. Segundo pesquisa realizada pela Locomotiva, em 2019, 29% da população adulta brasileira é desbancarizada, ou seja, não possui conta em banco. Quase um terço da população adulta, me parece um número próximo ao público que pretende receber essa quantia.

De acordo com o Banco Central, cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros recebem seu pagamento por dinheiro em espécie, ao passo que 60% das pessoas preferem, efetivamente, utilizar o papel moeda nas suas transações. A cultura do brasileiro se passa na utilização da cédula, bem como a compreensão sobre o dinheiro em si. Mudar uma cultura estrutural em um tempo recorde é praticamente impossível. Não usamos o tempo disponível entre a informação da pandemia e o tempo até ela chegar ao Brasil para se organizar politicamente e institucionalmente. A coisa será implementada e corrigida em meio ao caos da pandemia e a insatisfação dos brasileiros. Finalizo então, com essa bigorna de uma tonelada de desafios a serem superados nessa política. Boa sorte aos envolvidos.

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