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A evolução da pandemia de Covid-19 nos estados brasileiros e a necessidade de manutenção das medidas de isolamento social e prevenção

14.04.2020

Por: Mell

Prof. Dr. Anderson Alves Ribeiro

Anderson Alves Ribeiro http://lattes.cnpq.br/4000459703723279

@anderson.alves.ribeiro (INSTA) https://www.facebook.com/andersonalvesribeiro

Universidade Federal da Fronteira Sul andersonribeiro@uffs.edu.br

            A pandemia de Covid-19, causada pelo novo coronavírus, Sars-Cov-2, apresenta muitos desafios e tem demandado ações de autoridades nacionais, estaduais e municipais, além do trabalho de diversos profissionais do sistema de saúde, de logística e de abastecimento e das instituições de pesquisa, como universidades públicas e institutos.

            O Brasil adotou boas medidas de prevenção ao espalhamento da pandemia da Covid-19. Os estados e municípios, de um modo geral, tomaram medidas antecipadas de distanciamento social, isolamento, quarentena e de informação à população, que se mostram adequadas. Abordaram a necessidade de cuidados com a prevenção pessoal, como uma das formas de diminuir a velocidade de crescimento do número de pessoas infectadas e de dar mínimas condições do sistema de saúde atender aqueles que demandam atendimento. Essas ações foram, via de regra, tomadas no momento certo e com a extensão minimamente necessária, tendo bons resultados no controle da epidemia[1].

            O número de casos confirmados e, principalmente, o número de mortos, só não é maior agora, devido a estas medidas, ao trabalho dos profissionais da saúde no SUS e ao trabalho desenvolvido em várias instituições públicas de pesquisa e ensino, que tem se dedicado incessantemente às ações de combate à epidemia. Isso não quer dizer que o número de casos não vá aumentar, porque vai, mas aumentando de forma controlada, não exponencial, pode ser a diferença entre um desastre de grandes proporções e uma crise sanitária grave, mas que pode ser relativamente bem gerenciada e superada.

            O sucesso das medidas adotadas é também o seu ponto fraco em relação à opinião pública, pois o crescimento não acelerado do número de casos e a inexistência de relatos dramáticos de hospitais superlotados faz parecer que a situação não é tão preocupante quanto o informado e que as medidas podem ser afrouxadas. Porém a realidade mostra o contrário, pois todos os países que adotaram tardiamente essas medidas[2], ou afrouxaram as medidas após poucos dias de isolamento social, contam os mortos aos milhares. Até o dia 06/04/2020 o número de  mortos na  Itália era de 16.500. Além disso, havia mais de 93 mil casos ativos (ou seja, de pessoas que estão infectadas e não se recuperaram), de modo que mesmo com o controle total da epidemia, ainda terão alguns (milhares de) mortos. Na Espanha o número de mortes é de 13.300 e 83 mil casos ativos. Na França, 8.900 mortes e 72 mil casos ativos. Os EUA, que até pouco tempo atrás relutavam em aplicar medidas de distanciamento e isolamento, registram hoje 10.900 mortos e 337 mil casos ativos, sendo o país com maior número de casos e potencialmente o país a registrar o maior número de mortes. Países como Coreia do Sul e Singapura conseguiram reduzir as medidas de restrição para a população em geral através de aplicação em massa de testes de detecção de infectados, rastreamento de pessoas que tiveram contatos com eles e isolamento de todos pelo período de incubação do vírus. Sem sombra de dúvidas, essa é uma das melhores políticas de enfrentamento da epidemia, pois minimiza outros efeitos sociais importantes, como os impactos econômicos, porém o Brasil não tem condições, hoje, de aplicar essa metodologia, seja em função da sua vastidão territorial, seja pela carência de testes ou profissionais de saúde e áreas correlatas para realizá-los.

            Dados oficiais obtidos das Secretarias de Saúde dos estados, atualizados até o dia 06/04/2020, indicam que as medidas têm levado a um crescimento aproximadamente linear do número de infectados, com exceção dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde a pandemia iniciou antes e teve mais tempo de disseminação antes das medidas de distanciamento social, pois já mostravam crescimento exponencial nos primeiros 10 dias após o 30º caso.

            Os modelos epidemiológicos mostram que os parâmetros de número de contatos diários entre infectados e a população suscetível (aqueles que não estão ou não estiveram contaminados) e a probabilidade de contágio nesse contato são os parâmetros mais importantes para definir a velocidade de crescimento e o número total de pessoas que serão contaminadas pelo vírus, afora, logicamente, daqueles parâmetros não controláveis da epidemia, como o tempo de incubação, período até manifestação dos sintomas, percentual de casos assintomáticos e etc., que dependem da biologia e comportamento do vírus.

            Esses dois parâmetros são claramente reduzidos com as medidas adotadas. O distanciamento social e o isolamento de casos confirmados e suspeitos, reduz o número de contatos diários de um infectado com a população suscetível. As medidas de prevenção, como lavar as mãos, evitar contato das mãos com olhos, nariz e boca, e mesmo o uso de máscara, reduzem a probabilidade de que uma pessoa, ao ter contato com alguém infectado, venha também a se infectar.

            Ao mesmo tempo o número de pessoas na população suscetível ao contágio é, ainda, extremamente alto. Desse modo, relaxar as medidas até então adotadas, sem outras medidas que reduzam o parâmetros de contágio, levará ao aumento do número de infectados e uma possível sobrecarga do sistema de saúde, que, não tendo capacidade de atendimento, aumentará a taxa de mortalidade ocasionada pelo vírus, sem mencionar mortes por outras doenças por falta de atendimento ou por atendimento muito precário. Atualmente a taxa média global de mortalidade do vírus é de cerca de 5,5%, percentual elevado dadas as altas taxas de mortalidade nos países citados anteriormente, que tiveram seus sistemas de saúde sobrecarregados. Na Itália, por exemplo, temos uma taxa média de mortalidade de 12,5% dos casos, na Espanha a taxa é de 9,75%, na França de 9,1%. Os EUA têm hoje uma taxa de mortalidade de 3,2%, que vem aumentando significativamente. Por outro lado, a Alemanha tem uma taxa de mortalidade de 1,5% e a Coreia do Sul, de 1,8%. O Brasil atualmente tem uma taxa de mortalidade de 4,6%, de acordo com o Ministério da Saúde[3], número superestimado dado uma possível subnotificação de casos pela escassez de testes.

            Diante desse cenário preocupante, destacam-se os esforços em busca de tratamentos eficientes e confiáveis e/ou vacina, que seguem em ritmo acelerado ao redor do mundo. Dessa forma, a manutenção das medidas de distanciamento, isolamento e prevenção deve acontecer e é nossa única forma segura de combate à epidemia, permitindo tempo para desenvolvimento de medidas eficientes de combate à doença. É possível o reaparecimento do vírus, em algum tempo no futuro próximo, considerando a população não exposta e portanto suscetível, em uma segunda onda epidêmica, porém, com o devido tempo, estaremos mais preparados, por meio dos resultados de estudos e experimentos atualmente em desenvolvimento, para obtenção de vacinas e tratamentos.

SÍNTESE DOS DADOS ANALISADOS

            Abaixo apresento os dados que sustentam as afirmações dessa nota. O gráfico a seguir mostra  dados de forma padronizada em dias contados a partir de aproximadamente 30 casos (±3%) para os estados com o maior número de casos no Brasil.


Gráfico 1: Número de casos confirmados por estado, nos estados com mais casos confirmados. A legenda indica os estados amostrados. Fonte dos dados: sites oficias das secretarias de saúde dos estados. Gráfico elaborado pelo autor.

            Como se pode perceber, a tendência de crescimento é linear, com exceção dos estados de São Paulo (SP) e do Rio de Janeiro (RJ). Embora o estado do Ceará mostre um crescimento acentuado no período, a tendência é linear, com média de cerca de 35 novos casos por dia. Os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro mostram o crescimento mais acentuado, com padrão exponencial no período observado. Apresento a seguir uma análise dos dados obtidos para os dois estados com crescimento exponencial, SP e RJ, os dois estados limites do caso linear Ceará (CE) e Bahia (BA), e um estado intermediário da curva, Rio Grande do Sul (RS).

O estado de São Paulo

            O estado de São Paulo é onde temos o maior número de casos, possivelmente indicando também que é o estado onde a epidemia iniciou no Brasil, configurando seu epicentro. No período inicial, contados como os dez dias após o 30º caso, o estado mostrava um forte crescimento exponencial no número de casos, que duplicavam a cada 2,5 dias aproximadamente, conforme gráfico 2 abaixo.


Gráfico 2: Número de casos para o estado de São Paulo por dia, para os primeiros dez dias após o 30º caso. No gráfico dia 1 corresponde ao dia 11/03/2020. Fonte de dados: secretaria de estado de saúde de São Paulo: https://www.seade.gov.br/coronavirus/. Gráfico elaborado pelo autor.

         A tendência de crescimento teve várias mudanças ao longo dos 26 dias desde o 30º caso. Pode-se, a partir dos gráficos 2 e 3, considerar 3 períodos na evolução da epidemia em São Paulo: 11/03 a 20/03, como período exponencial apresentado acima, de 21/03 a 30/03, como período linear, e de 31/03 a 06/04, como período de potência menor que 1. Esses períodos mostram uma tendência de decrescimento na velocidade da epidemia, sendo o período linear mais lento que o exponencial e o de potência mais lento que o linear. Essas mudanças possivelmente são decorrentes das políticas de distanciamento, de isolamento e de prevenção que foram implementadas.


Gráfico 3: Número de casos para o estado de São Paulo por dia, entre os dias 21/03 e 06/04. No gráfico dia 1 corresponde ao dia 21/03/2020. A equação da curva de tendência do segundo período foi deslocada, de forma que x=dia – 9. Fonte de dados:  https://www.seade.gov.br/coronavirus/. Gráfico elaborado pelo autor.

 

O  estado do Rio de Janeiro

            A exemplo do estado de São Paulo, o estado do Rio de Janeiro mostra uma mudança na tendência do crescimento no número total de casos ao longo do período avaliado. Nos primeiros dez dias, temos um comportamento exponencial acentuado, com tempo para dobrar o número de casos em torno de 2,4 dias. No período posterior ao dia 25/03, a tendência exponencial se manteve, porém com decréscimo significativo no período para dobrar o número de casos, passando a 6 dias.

Gráfico 4:  Número de casos para o estado do Rio de Janeiro por dia, para os primeiros dez dias após o 30º caso. No gráfico dia 1 corresponde ao dia 16/03/2020. Fonte de dados: secretaria de estado de saúde do Rio de Janeiro: https://coronavirus.rj.gov.br/boletins/. Gráfico elaborado pelo autor.

Gráfico 5:  Número de casos para o estado do Rio de Janeiro por dia entre os dias 26/03 e 05/04. No gráfico dia 1 corresponde ao dia 26/03/2020. Fonte de dados: secretaria de estado de saúde do Rio de Janeiro: https://coronavirus.rj.gov.br/boletins/. Gráfico elaborado pelo autor.

O  estado do Rio Grande do Sul

            A metodologia adotada pelo estado do Rio Grande do Sul para a contagem do número de casos confirmados é diferente daquela usada para os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Os dados são mostrados por dia da coleta da amostra para testagem, não pelo dia do resultado. Essa metodologia torna a curva de contágio mais confiável, em termos do real desenvolvimento da epidemia no estado, ao mesmo tempo em que muda constantemente os dados fornecidos, uma vez que os resultados de testes coletados em dias anteriores vão chegando (nem todos os testes levam o mesmo tempo para ficarem prontos). A metodologia dos estados de SP e do RJ mostram os dados pelo dia do resultado do teste, isso torna os números apresentados constantes, podendo ser facilmente verificados, por outro lado distorce a curva que mostra o desenvolvimento da epidemia no estado.

            No RS, o desenvolvimento da epidemia nos dez dias após o 30º caso é praticamente linear, com cerca de 24 novos casos por dia, conforme gráfico 6. Nos dias posteriores a curva mostra uma diminuição na velocidade, crescendo com uma potencia menor que um. Dada a metodologia adotada pelo estado, isso pode ser ocasionado pela diminuição da velocidade da epidemia mas também pela tempo de espera dos resultados dos testes coletados nos últimos dias.

O estado do Ceará

Caixa de Texto:  Gráfico 8: Número de casos para o estado do Ceará por dia, para os primeiros dez dias após o 30º caso. No gráfico dia 1 corresponde ao dia 18/03/2020. Fonte de dados https://indicadores.integrasus.saude.ce.gov.br/indicadores/indicadores-coronavirus/coronavirus-ceara, dados atualizados até 06/04/2020 às 16:40. Gráfico elaborado pelo autor.
            Como mencionado anteriormente, o estado do Ceará mostrava um forte crescimento do número de casos nos dez primeiros dias após o 30º caso, com cerca de 35 novos casos por dia, mas mantendo um comportamento linear, conforme o gráfico 8.           

https://indicadores.integrasus.saude.ce.gov.br/indicadores/indicadores-coronavirus/coronavirus-ceara, dados atualizados até 06/04/2020

            A partir do 11º dia de contagem, correspondendo no caso ao dia 28/03, a curva de número de casos confirmados para o estado do CE mostra uma tendência de crescimento acelerado, embora leve, mas superior ao linear, conforme indica o gráfico 9.

O gráfico mostra um crescimento leve mas acelerado, com duplicação do número de casos confirmados a cada 6 dias. A situação demanda atenção das autoridades do estado e dos municípios, pois indica que a velocidade da pandemia está crescendo no estado, podendo levar a situação preocupante em um curto período de tempo.

            A exemplo do RS, a metodologia adotada pela secretaria de saúde do CE foi a de apresentar os casos confirmados por data da coleta. Infelizmente essa informação só pode ser inferida do sítio, pois não está explícita, mas a variação do número de casos confirmados em cada dia no período da consulta ao site indica o uso dessa metodologia.

O estado da BA

            Dos estados analisados, a Bahia mostrava o crescimento mais lento, linear, com cerca de 12 novos casos por dia nos dez primeiros dias após o 30º caso, iniciando no dia 19/03, conforme gráfico 10. A metodologia utilizada para contagem dos dados é a mesma dos estados de SP e do RJ.

            A partir do 11º dia de contagem, correspondendo no caso ao dia 29/03, a curva de número de casos confirmados para o estado da BA mostra uma tendência de crescimento acelerado, embora leve, mas superior ao linear, conforme indica o gráfico 11. O gráfico mostra um crescimento leve mas acelerado, com duplicação do número de casos confirmados a cada 5,5 dias.

            A exemplo da análise feita para o estado do Ceará, a situação da pandemia demanda atenção das autoridades da Bahia, pois indica que a velocidade da pandemia está crescendo no estado, podendo levar a uma situação preocupante em um curto período de tempo.

            Os dados mostram que, apesar dos estados do Ceará e da Bahia terem apresentado aumento na taxa inicial de casos, o aumento do número de casos está, em geral, lento no Brasil, possivelmente por conta das medidas de restrição à mobilidade, distanciamento social, isolamento e adoção de medidas de prevenção. Um comparativo com casos internacionais pode aprimorar as informações aqui apresentadas, porém, muitas vezes, as fontes de informação sintetizam os dados por país, o que pode não ser a melhor maneira de avaliar ou comparar, bastando ver a diversidade de cenários dentro do mesmo país, como o caso do Brasil. Seria necessária a obtenção de dados com um recorte geográfico equivalente para se poder fazer comparações mais adequadas. No caso apresentado, o recorte estadual foi escolhido  tendo em vista as diferenças regionais e, também, à extensão das medidas adotadas por cada estado dentro da federação.

            Cabe, por fim, duas observações. Primeiro, o número real de casos no Brasil tende a ser maior que as estatísticas oficiais, dado o percentual observado em outros países de cerca de 30% de casos assintomáticos e 55% de casos leves e moderados, que podem ser facilmente confundidos com resfriados ou outras doenças respiratórias (para os quais atualmente a recomendação é não procurar os serviços de saúde), e dada a pequena quantidade de testes que estão sendo realizados. Nesse cenário, as medidas de distanciamento social e prevenção são ainda mais importantes, são, na verdade, imprescindíveis, pois uma rápida aceleração do contágio pode se dar com o aumento da mobilidade das pessoas, com as aglomerações e o relaxamento das medida de prevenção.


[1]    As medidas foram tomadas, na maioria dos estados, antes de termos 2 mortes por milhão de habitantes, considerado, conforme estudo do Imperial College of London, como o cenário de menores impactos. The Global Impact of COVID-19 and Strategies for Mitigation and Suppression. 26/03/2020, disponível em https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/sph/ide/gida-fellowships/Imperial-College-COVID19-Global-Impact-26-03-2020.pdf

[2]    Após termos 16 mortes por milhão de habitantes.

[3]    Painel informativo da epidemia de coronavírus SARS-cov-2 https://covid.saude.gov.br, dados atualizados em 06/04/2020 às 17:00, 12.056 casos confirmados, 533 óbitos.

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