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Contas, espelhos, varíola e tuberculose: ‘escambo’ pandêmico na América Portuguesa

20.04.2020

Por: Mell

Everton Dalcin[1]

Eduardo Cristiano Hass da Silva[2]

            De acordo com Lilia Mortiz Schwarz e Heloisa Murguel Starling (2015), a violência e a dor estão dentre as marcas mais remotas da História do Brasil, gerando e alimentando mecanismos e processos de exclusão social, que podemos observar até hoje em nossa sociedade

Nos primeiros anos da invasão portuguesa às terras americanas, o contato entre portugueses e ameríndios se deu a partir do escambo, no qual colonizadores trocavam artefatos de ferros, contas e espelhos por alimentos (milho, mandioca..) mas, sobretudo, pela madeira vermelha, o pau-brasil. No entanto, nem só destas trocas se deu este contato.

            O desembarque dos europeus gerou um verdadeiro desastre populacional nas Terras Americanas. A violência se instala a partir da chamada ‘Guerra Justa’, que visava submeter as distintas populações ameríndias ao processo de catequização e aos ideais de civilização europeu. Além das trocas e das guerras, observa-se outro tipo de ‘escambo’, que configura-se como o ‘primeiro mal’ dessa coletânea: as doenças.

            Além de tripulantes, cargas e objetos, as embarcações transportaram também diversas pessoas que eram transmissoras de inúmeras doenças. As “pestes”, provenientes do “Velho Mundo”, atingiram e dizimaram as populações originárias, que não possuíam anticorpos para tais males. Desta forma, instala-se na colônia um sistema de ‘escambo’ de doenças, onde: -varíola, sarampo, coqueluche, catapora, difteria, tifo, tuberculose e gripe- passam a fazer parte do cotidiano colonial, levando muitos originários à morte, pois sua medicina tradicional ainda não era capaz de combatê-las. 

As doenças e sofrimentos que acometiam os ameríndios foram utilizadas pelos Jesuítas como instrumento de conversão. Os religiosos estabeleceram uma relação entre as doenças e os “maus atos” dos nativos, a tornando punitiva. Desta forma, relacionavam as “pestes” ao castigo divino, e apresentavam o Cristianismo como uma proposta de salvação, física e espiritual. Para tanto, estimulavam o sacramento do Batismo entre os indígenas, para tentar afastá-los das doenças, que eram relacionadas aos atos pagãos, e torná-los Cristãos.  Posteriormente,  estimulavam as Confissões, como o ocorrido nas missões de Pernambuco em 1522, onde “o confessor ficou atônito louvando ao Senhor e lhe disse que aquela doença fora castigo de Deus, porque dera o escravo para os outros o comerem, e morreu da mesma doença acabando como muito bom cristão” (Navarro, 1552, p. 116). Logo, a confissão sugeria aos ameríndios a correção de seus pecados, na mesma medida em que apresentava a fé como conforto para as dores causadas pelas doenças. 

Esta relação entre a doença e a punição serviu de instrumento de coerção de inúmeros ameríndios ao longo dos séculos. Aterrorizados pelos sofrimentos provocados pelas moléstias, e as mortes constantes, passam a “convertessem-se”. Entretanto, em vários relatos coloniais, observamos a coexistência de práticas originárias de cura, sobretudo de moléstias nativas que passaram a compor as práticas médicas dos próprios religiosos.

Referências

SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: Uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

NAVARRO, Pe. João de Azpilcueta, Copiada no livro de registro “Cartas dos Padres da Comp. de Jesus sobre o Brasil…” , In: Cartas Avulsas (1550-1568). Carta do Padre Leonardo do Valle da Bahia para o Padre Gonçalo Vaz, Provincial da Companhia de Jesus de Portugal, aos 12 de Maio de 1563. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887.


[1] Doutor, mestre, bacharel e licenciado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

[2] Doutorando em Educação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), com bolsa CNPq. Mestre, bacharel e licenciado em História na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). É membro pesquisador do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRGS – 2019).

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