Autor: Mateus Falco (@mateuslfalco)
Revisão: Fernando Kokubun (@Fernando.kokubun) e Thiago Brito Gomes (@gomes_tb_)
O prolongamento da pandemia e a necessidade de um maior isolamento social tem gerado ansiedade e a busca desesperada pelo “remédio milagroso” que apresenta a capacidade de prevenir o paciente de se infectar com SARS-CoV-2 ou até mesmo a esperada “cura”. Essa resposta é compreensível pelo medo do desconhecido, porém traz um grande risco relacionado à automedicação.
A divulgação prematura sobre a eficácia dos medicamentos que estão em uso na linha de frente e na terapêutica, em profissionais de saúde e tratamento de pacientes em estado grave, no combate ao SARS-CoV-2, tem causado a procura irracional pela panaceia contra a COVID-19. Como o crescente interesse pelas drogas antimaláricas Hidroxicloroquina (HCQ) e Cloroquina (CQ), o antiviral Remdesivir e recentemente ao antiparasitário Ivermectina. A busca desenfreada por esses tem levado a diminuição de estoques nas farmácias que acarreta na falta para os pacientes que utilizam em doenças crônicas, no caso de HCQ/CQ. É necessário fazer uma reavaliação sobre o método de divulgação da terapêutica experimental e a utilização em larga escala.
O risco da automedicação na COVID-19 é um aspecto avaliado apenas pelos efeitos colaterais ao paciente que faz uso da medicação, no caso de HCQ/CQ o uso prolongado pode causar defeitos visuais (cegueira) e arritmias (uma irregularidade dos batimentos cardíacos podendo levar a morte) [1]. Contudo, um fato que passa despercebido é o efeito mutagênico, ou seja, a alteração do material genético do vírus (tanto o DNA quanto o RNA), do uso sem a devida prescrição dos medicamentos, e um possível efeito de seleção viral nos moldes do uso da antibioticoterapia. Sendo assim, esse uso pode agravar a resistência do SARS-CoV-2 ao invés de combater somente o vírus. A pressão seletiva causada pelo antiviral pode levar a uma rápida adaptação viral e consequente resistência ao medicamento, podendo levar a um aumento na viremia e severidade da doença [2]. Os vírus da hepatite C, herpes e HIV já demonstraram resistência a tratamentos antivirais específicos [2]. Além disso, o excesso da automedicação pode causar um efeito tóxico para o fígado, ocasionando uma hepatite medicamentosa, e assim diminuir a função de limpeza do organismo por esse órgão vital.
Cabe salientar que as medidas mais eficazes para contenção da transmissão do novo coronavírus consistem ainda no isolamento social adequado, a etiqueta respiratória, a higienização das mãos e o uso de máscara [3,4]. Segundo as evidências, a utilização não prescrita do medicamento constitui um terrível risco tanto para o paciente quanto para a população em geral. Enquanto a descoberta/criação de uma vacina ou uma terapêutica com uma resposta eficaz não for encontrada, estaremos sob as mesmas medidas de combate preconizadas na decretação de pandemia.
Referências
[1] GEVERS S et al., Safety considerations for chloroquine and hydroxychloroquine in the treatment of COVID-19, Clinical Microbiology and Infection, https://doi.org/10.1016/j.cmi.2020.05.006
[2] GELMAN, Ram et al. Targeting SARS-CoV-2 Receptors as a Means for Reducing Infectivity and Improving Antiviral and Immune Response: An Algorithm-based Method For Overcoming Resistance To Antiviral Agents. Emerging Microbes & Infections, 4 jun. 2020.https://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/22221751.2020.1776161?needAccess=true
[3] MINISTÉRIO DA SAÚDE – SOBRE a doença: Como se proteger?. 9 jun. 2020. Disponível em: https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-doenca#como-se-proteger. Acesso em: 9 jun. 2020.
[4] WHO. Coronavirus disease (COVID-19) advice for the public: Protecting yourself and others from the spread COVID-19. 29 abr. 2020. Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public. Acesso em: 9 jun. 2020.