Texto: Isaac Schrarstzhaupt (@schrarstzhaupt)
Revisão: Larissa Brussa Reis (@laribrussa), Marcelo Bragatte (@marcelobragatte)
Acabamos de finalizar o mês de Agosto de 2020, que foi o mês “alvo” de muitas projeções relacionadas ao contágio por SARS-CoV-2 feitas lá em Março, quando estávamos começando a registrar os primeiros óbitos causados pela COVID-19.
Dá para perceber que as projeções tão longas (cinco meses) não se concretizaram exatamente como foram descritas e acabaram até virando alvo de chacotas pelos mais desacreditados sobre a pandemia, não é? Sendo assim, acreditamos ser importante detalhar alguns fatores estatísticos que precisam estar claros para que quem for comentar sobre o assunto possa falar com propriedade sobre o que realmente está acontecendo.
Aqui na cidade onde moro, Caxias do Sul, a Prefeitura projetou, no pior dos cenários (ou seja, sem nenhuma medida de restrição), 51 mil casos para o mês de Agosto (1).
No dia da projeção, 19/03/2020, tínhamos 2 casos. Chegamos, no dia 31/08/2020, a 5.592 casos (2).
No Brasil, tivemos um caso muito parecido: também em Março, o Imperial College projetou para Agosto, em um cenário específico, até 1.400.000 mortes, e chegamos a 31/08/2020 com 121.381 óbitos (3).
O que está acontecendo hoje, afinal? Infelizmente, muitas pessoas saíram dando martelada na cabeça de quem projetou, como se fosse um tonto que não entendesse nada.
A explicação é simples: Uma variação mínima na taxa de crescimento causa uma variação gigante no número absoluto a longo prazo quando o crescimento é exponencial (4).
Antes de entrar na explicação, temos de deixar claro que não podemos confundir projeções feitas com a intenção correta de informar e dar orientações às autoridades de saúde, justamente com o intuito de minimizar os danos, com projeções feitas com a clara intenção de desinformar, como as projeções que previam no máximo 5.000 casos no Brasil inteiro, com menos de 1.000 óbitos. Em uma doença como esta, cuja transmissão tem chance de crescer exponencialmente, sem as medidas de enfrentamento adotadas, essa projeção era impossível.
Já a projeção de 1.400.000 óbitos até o final de Agosto tinha TOTAL chance de acontecer, e não aconteceu por pouco. Querem ver?
Se pegarmos os seis óbitos de 20/03/2020, que foi a época da projeção, e aplicarmos 7,85% de crescimento diário, teremos 1.447.624 óbitos em 31/08/2020.
Se pegarmos os mesmos seis óbitos em 20/03/2020 e aplicarmos 6,25% de crescimento diário, teremos 124.776 óbitos em 31/08/2020.
A diferença da projeção inicial do Imperial College (5) para o que de fato aconteceu foi de 1,6% na taxa média de crescimento diária. Essa diferença de 1,6% foi conquistada com muito empenho por boa parte da população, adoção de medidas de distanciamento, pessoas em quarentena por vários meses (como eu que ainda estou) e estratégias de conscientização constante como as que são feitas aqui pela Rede Análise Covid-19.
Para nós seres humanos o crescimento exponencial não é intuitivo e seu aumento pode parecer pouco natural. Quando observamos que foram projetados 1.400.000 óbitos e ocorreram 120.000, salta aos olhos um aparente “erro grande”, sendo que, na verdade, não transformamos o crescimento real em crescimento exponencial POR POUCO.
Além disso, precisamos levar em consideração que as epidemias, como a do SARS-CoV-2, tem duas características que também colaboram demais para que os números reais se afastem dos projetados: são processos estocásticos e não determinísticos.
Um processo estocástico (6) é aquele em que existem muitas variáveis envolvidas que podem mudar aleatoriamente, e a mudança de uma variável pode acabar influenciando na outra. Exemplos de processos estocásticos na pandemia: uma pessoa infectada tossindo sem máscara, uma festa clandestina, um fechamento de atividades que causariam aglomeração, uma decisão de visitar ou não os avós….esses fatos ocorrem muitas e muitas vezes e são frutos de decisões tomadas no impulso, ao menos em grande parte delas.
Para entender o processo não determinístico (7) vamos levar em consideração o seguinte fato: se conseguíssemos rebobinar o tempo e voltar até 26/02/2020, (data em que tivemos o primeiro caso confirmado no Brasil) sem o conhecimento que temos hoje, e de lá soltar as pessoas novamente, teríamos exatamente os mesmos 121.381 óbitos em 31/08/2020? De jeito nenhum! Simplesmente pelo fato de que se uma pessoa contaminada virasse uma esquina diferente na rua e ao tossir não contaminasse mais a pessoa que ela teria contaminado, mudaria todo o curso da epidemia dali pra frente. Um único evento “super espalhador” poderia causar uma diferença na taxa de crescimento e dali em diante a projeção já ficaria totalmente distante do real.
Se aumentássemos a taxa de crescimento diária de óbitos de 6,25% (que foi a taxa real) para 6,85% teríamos, em 31/08/2020, absurdos 314.176 óbitos, ou seja 260% a mais no número total com apenas 0,60% de aumento por dia na taxa de crescimento.
Esperamos que, com essa explicação, todos consigam entender mais claramente como estes “erros” são totalmente normais quando tratamos deste tipo de processo com este tipo de crescimento.
Referências:
(1) http://pioneiro.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2020/03/prefeitura-de-caxias-confirma-quatro-novos-casos-e-divulga-estimativa-de-contagio-12294556.html
(2) https://covid.caxias.rs.gov.br
(3) https://covid.saude.gov.br
(4) https://www.khanacademy.org/math/algebra/x2f8bb11595b61c86:exponential-growth-decay
(5) https://www.imperial.ac.uk/mrc-global-infectious-disease-analysis/covid-19/report-12- global-impact-covid-19/
(6) https://pt.wikipedia.org/wiki/Processo_estocástico
(7) https://pt.wikipedia.org/wiki/Algoritmo_não_determin%C3%ADstico