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Análise do estudo: Pesquisadores franceses realizam ensaio médico sobre possível papel protetor da nicotina em relação ao contágio pelo SARS-COV-2

18.05.2020

Por: Mell

Autora: Angel Miríade (IG: @myriad_angel / Twitter: @MyriadAngel)

Revisores: Lilith S. Bizarro (Twitter: @bizarrolilith), Amanda Gonzalez (FB: amanda.gonzalez.5264)

Poderia a nicotina ter um efeito protetor contra a infecção pelo SARS-COV-2? Uma pesquisa que vem sendo realizada pela equipe médica do Hospital Pitié Salpêtrière (integrante do sistema Hôpitaux de Paris) busca responder essa questão. 

Em um estudo preliminar publicado na base científica Qeios, pesquisadores do Hospital Pitié Salpêtrière apontam que, entre os pacientes diagnosticados com COVID-19 no hospital parisiense, há uma baixa taxa de fumantes. Essa tendência acompanha pesquisas realizadas em outros países, como é o caso de um estudo chinês publicado no final de março de 2020, que mostrava uma proporção de fumantes entre os pacientes com coronavírus muito menor do que entre a população saudável chinesa.

Realizado com 482 pacientes que testaram positivo para o vírus, o estudo preliminar do Hospital Pitié Salpêtrière avaliou o percentual de fumantes entre aqueles que estavam hospitalizados devido a sintomas mais sérios da doença e entre os que foram liberados para tratamento em casa por apresentarem sintomas mais brandos. Entre os 350 pacientes hospitalizados (cuja média de idade é de 65 anos), apenas 4,4% eram fumantes regulares. Entre os 132 pacientes que foram liberados para tratamento em casa (com idade média de 44 anos) o percentual de fumantes foi de 5,3%. 

Em comparação com a população francesa, os resultados apontam um percentual de fumantes mais baixo, tanto entre os pacientes hospitalizados, quanto entre aqueles que se recuperaram em casa. Considerando os mesmos grupos etários, os pesquisadores apontam que o percentual nacional de fumantes gira em torno de 40% entre aqueles que têm idade entre 44 e 53 anos e de 11% entre pessoas na faixa dos 65 a 75 anos.

Mas como a nicotina atuaria como fator protetivo contra a doença? Para responder a essa questão é preciso compreender um pouco melhor a forma como o vírus SARS-COV-2 atua no corpo humano. Os autores apontam evidências de que esse vírus atua invadindo o sistema nervoso central por meio de neurônios do sistema olfatório (assim como acontece com os outros coronavírus), sendo os receptores nicotínicos acetilcolinérgicos (nAChR) a principal via de entrada do SARS-COV-2 nas células. Inclusive, os estudiosos apontam que essa entrada por neurônios olfativos poderia explicar o sintoma apresentado por alguns pacientes  que desenvolvem perda de capacidade olfativa. 

Os autores salientam que os receptores nAChR possuem um papel de destaque para a ocorrência da “tempestade de citocina” que ocasiona uma reação hiper inflamatória, agravando o quadro da COVID-19 em alguns pacientes. Nesse caso, então, o SARS-COV-2 atua bloqueando os receptores nicotínicos acetilcolinérgicos, impactando na interação entre os receptores nAChR e a enzima ACE2 (Enzima Conversora da Angiotensina 2), aumentando a disponibilidade desta enzima, que tem papel fundamental na interação do  SARS-COV-2 com as células hospedeiras. Além disso, os pesquisadores apontam que há receptores nicotínicos acetilcolinérgicos no epitélio do pulmão, os quais também podem ser alvos do SARS-COV-2, impedindo a regulação das funções celulares no órgão.

E como seria a atuação da nicotina nesse sistema? De acordo com o estudo francês, a nicotina atuaria ocupando os receptores nAChR, o que bloquearia ou dificultaria a ligação do vírus a esses receptores, impedindo sua entrada nas células e consequente infecção por meio das enzimas ACE2.

Nesse sentido, a fim de replicar os dados encontrados até o momento, os autores propõem a realização de um ensaio terapêutico contra a COVID-19 por meio do uso de adesivos de nicotina em pacientes infectados que estão hospitalizados e equipe hospitalar não infectada. 

É importante destacar que os autores alertam que não estão incentivando o tabagismo, considerando principalmente que ele tem efeitos deletérios ao pulmão. Além disso, o professor Zahir Amoura, um dos autores do estudo relatado acima, chama a atenção para a existência de diversos agentes tóxicos na fumaça do tabaco, que são extremamente maléficos para a saúde. Nesse sentido, os pesquisadores buscam avaliar o efeito da nicotina isolada ou de outros agentes que atuam nos receptores nicotínicos. Jean-Pierre Changeux, coautor do estudo, em entrevista ao jornal Le Monde, também chama a atenção para o caráter preliminar e condicional desse estudo, não havendo, portanto, nenhuma conclusão científica a esse respeito até o momento.

Também é importante salientar que logo após a publicação desse estudo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou em sua página no Twitter um alerta em relação ao uso de tabaco. Na publicação, a OMS afirma que o tabaco enfraquece o sistema respiratório por causar danos aos pulmões e dessa forma torna seus usuários mais vulneráveis ao SARS-COV-2.

REFERÊNCIAS

CHANGEUX, JEAN-PIERRE; AMOURA, Z.; REY, F.; MIYARA, M. A nicotinic hypothesis for Covid-19 with preventive and therapeutic implications. Qeios, 2020. Qeios Ltd. Acessado em: https://www.qeios.com/read/FXGQSB.2

PASCALE, S. Coronavirus : la proportion de fumeurs parmi les personnes atteintes du Covid-19 est faible. Disponível em: <https://www.lemonde.fr/planete/article/2020/04/22/coronavirus-une-proportion-reduite-de-fumeurs-parmi-les-malades_6037365_3244.html?_ga=2.4464435.10979393.1587611467-1577227909.1587611467>. Acesso em: 18/5/2020.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. World Health Organization (WHO) no Twitter: “Using tobacco products can increase your chance of getting #COVID19. Disponível em: <https://twitter.com/WHO/status/1252869346667327496>. Acesso em: 18/5/2020.

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