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O Brasil Real e a Covid-19

27.05.2020

Por: Mell

Autor: Ananias Q O Filho (@ananias_1979) | Revisão: Mellanie F Dutra (@mellziland) e Paula Vanacor (@paulavanacor)

“O país real, esse é bom, revela os melhores instintos;
mas o país oficial, esse é caricato e burlesco”

– Machado de Assis

Alguém aqui já morou ou mora em uma cidade com menos de 10 mil habitantes no sertão do Nordeste? Eu já. Esse aqui é um fio falando sobre o SUS e a (falta de) infraestrutura nacional, pois parece que muitos economistas desconsideram a realidade fora dos grandes centros. Nasci e morei até 1 ano de idade em Elesbão Veloso (EV) no PI. Hoje com 14 mil habitantes, no longínquo ano de 1979 tinha um pouco mais da metade. Lá não têm leitos de UTI até hoje e as cidades mais próximas com UTI são Picos e Teresina, a mais de duas horas de viagem.

Muitas vezes municípios como Elesbão Veloso ficam sem ambulância ou com ela em péssimo estado, sem falar nas estradas que têm condições inconstantes, pois muitas vezes são, na verdade, um pedaço de estrada em meio aos buracos. Espero que não esteja assim nesse momento. Minha pergunta é: o Ministério da Saúde fez um levantamento junto às secretarias estaduais e municipais acerca das condições das ambulâncias de cada município para atender a população em meio à pandemia?

É nessas cidades onde está grande parte da população mais vulnerável. Se os governos estaduais e municipais tiverem feito esse levantamento, já comunicaram ao ministro da economia a possível necessidade de compra de novas ambulâncias, com investimento com valor agregado? Lembrando: ambulância não é só o carro, na verdade, exige a compra de diversos materiais e, nesse caso, de aparelhos respiratórios. Cabe lembrar que em boa parte dos pequenos municípios a ambulância tem sido, na verdade, um carro com maca e local para colocar o soro.

Também morei por muito tempo em uma cidade chamada Felipe Guerra e, apesar de não ter nascido lá, me sinto um felipense. Passado o “momento declaração”, vamos continuar: Felipe Guerra (FG) fica no alto sertão do RN, hoje tem 6 mil habitantes e fica a 45 minutos de Mossoró. Mossoró é a maior cidade do interior do RN, os pacientes graves de diversas cidades são atendidos lá, pois assim como em FG, essa cidade tem um número restrito leitos, especialistas e não tem UTIs. Mossoró possui 297 mil habitantes, mas na verdade, deve atender a uma população geral que pode chegar a 3 ou 4 vezes esse número, pois é para lá que vão um grande número de pessoas à procura de especialistas, até por isso é a região em situação mais crítica em decorrência da pandemia [1].

Não são poucos os relatos de que o principal Hospital Público [2], o maior da cidade, está com leitos e, principalmente, UTI lotados em uma época “normal”. Já pensaram como deverá ser diante do que está por vir?! Eu já, pois conheço a realidade dura de muita gente naquele lugar que amo.

Até aqui duas conclusões básicas:

1- Urge o mapeamento do estado acerca da existência de ambulância em número adequado e aquisição do número necessário;

2- O número de leitos gerais e UTIs tem que ser ampliados para ontem em diversos centro regionais de atendimento.

Em cidades como FG e EV, uma época de chuva já lota leitos dos pequenos Hospitais e Unidades Básicas de saúdes, com doenças principalmente que incidem sobre crianças e idosos. Em uma pandemia desse porte será o caos se nada for feito antes. As duas conclusões acima demandam investimento de valor agregado diretamente ao sistema de saúde, porém há um outro aspecto pouco falado (até porque o interior do Brasil é lugar esquecido na maior parte do tempo, pelos políticos e pelos próprios brasileiros).

As condições das estradas muitas vezes, ou sem sua maioria, se deterioram de forma assustadora com chuvas de verão. No RN choveu acima da média esse ano e cheguei a fazer em duas horas a viagem de FG para Mossoró (lembram que eu disse que o tempo dessa viagem era de 45 minutos?). Não é devido ao carro que não acelerava, mas sim pelas “crateras” que existiam na estrada. Dito isso, se faz necessário um levantamento junto ao ministério da saúde e secretarias estaduais sobre as condições das principais vias de acesso aos centro regionais com maior capacidade de atendimento.

Não são poucas as ambulâncias que param por terem danificado amortecedor e outros problemas devido à condição da estrada. Cuidar disso é investimento público de valor agregado e necessário tanto para saúde como para economia. Sigamos o exemplo de Cingapura: exames diários e com rápido diagnóstico em quem estiver nessas obras. Isso vai assegurar dignidade no atendimento de quem necessita, bem como ajudar a economia a não cair em uma depressão tão profunda.

O Brasil prefere esquecer os invisíveis. O interior será atingido pelo horror e a maioria dos governos nada faz, em verdade, também nada falam. O atual governo federal é abjeto e responsável direto por mortes e sofrimentos que a Covid-19 está causando. Hoje, aproximadamente 80% das cidades do Nordeste já têm casos confirmados de Covid-19. Isso é extremamente grave, pois segundo levantamento da Fiocruz [1] o Nordeste já sofre com poucos leitos de UTIs e estes são concentrados nas regiões mais populosas. Por exemplo, o Rio Grande do Norte possui 167 cidades, mas só possui leito de UTI na região metropolitana de Natal (capital do estado), em Mossoró e em Pau dos Ferros. Mais da metade dos leitos ficam na região metropolitana de Natal, logo, o restante do estado fica em situação bem mais delicada. Essa situação ilustra o que ocorre no interior do Nordeste e do Brasil. Medidas precisam ser tomadas em conjunto por todas as esferas governamentais.

Não deixemos que os invisíveis, pois esse é o Brasil Real de Machado, se tornem mais invisíveis ainda! Com o risco de quando nos perguntarem o que houve nesse momento histórico, respondermos: só sei que foi assim. Mas nesse caso não haverá graça nenhuma, apenas dor e sofrimento.

Referências

[1] – https://outline.com/C8ZLmm
[2] – http://diariopolitico.com.br/sindsaude-registra-pacientes-sendo-atendidos-nos-corredores-do-tarcisio-maia-em-mossoro/
[3] – http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/arquivos/anexos/a92729d3eae11d7fe26e4f4bd9a663c16f13a410.PDF

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